sexta-feira, 27 de julho de 2007

Corpo-Sem-Alma


Havia uma viúva com um filho chamado Joanorzim. Quando tinha treze anos ele teve vontade de sair pelo mundo e fazer fortuna: a mãe disse que só quando ele conseguisse derrubar com um pontapé um pinheiro que ficava no quintal deles.
Dito e feito, todos os dias depois de acordar, Joanorzim tentava um pontapé, e como o menino era muito valente o feito não tardou a acontecer: um dia o menino derrubou o tal pinheiro e pediu a benção da mãe.
Lá se foi Joanorzim pelas estradas da vida, até que chegou em um reino cujo rei possuía um cavalo que ninguém conseguia montar. Observando as trapalhadas tentativas dos empregados reais, o esperto garoto entendeu que o bicho era assim porque tinha medo da própria sombra. Não demorou até o dia em que, sorrateiramente nosso herói chegou ao estábulo e, como-quem-nada-quer, pulou no lombo do mal-compreendido – que se chamava Rondó -, logo conduzindo-o para fora do recinto, mas com a cabeça contra o sol. Dessa maneira, Rondó não via sua sombra, e ambos cavalgaram felizes para surpresa do rei e dos empregados. O mancebo ganhou fama e o carinho real, mas não tardou a pisar na bola – como não poderia deixar de ser -, contando vantagem conforme o ego subia-lhe à cabeça. No caso, o alvo da língua grande era a filha aprisionada do rei: Joanorzim dizia por que dizia que iria libertá-la. Acontece que o boato chegou aos ouvidos do pai da donzela, que ameaçou de morte nosso herói, se ele se recusasse a salvar a querida filha.
Lá se foi Joanorzim para as aventuras mais memoráveis de sua jornada. No meio do caminho se deparou com uma cena no mínimo bizarra, que consistia em quatro animais (um leão, um cachorro, uma águia e uma formiga) velando o cadáver de um burro. Ao se aproximar, veio o leão tentar um diálogo:
-Joanorzim (sim, ele sabia o nome do nosso herói), você que possui uma espada, seja justo e divida esse corpo entre mim e meus companheiros.
Dito e feito: o mancebo deu a cabeça para a formiga (“assim você poderá usá-la como casa, e encontrará comida para toda sua família”), as patas para o cachorro (“poderá roê-las até se cansar”), as tripas para a águia (“essa parte é facilmente transportável até o cume das montanhas”), e o resto do lombo ficou com o leão, que comia mais que os outros.
Vendo a sabedoria do jovem, cada animal recompensou-o de alguma forma:
-Tome uma de minhas garras, começou o leão, quando usá-la se tornará o leão mais feroz do mundo.
-Fique com um de meus bigodes para que possa ser o cão mais veloz que existe.
-Já da minha parte dou-lhe uma pena: dessa maneira, ao usá-la será a maior e mais forte águia a voar pelos céus;
-Fique com uma de minhas patinhas, Joanorzim, elas lhe possibilitarão transformar-se na mais pequenina formiga, impossível de ser vista até mesmo com o auxílio de uma lente de aumento.

Feliz e premiado com os novos utensílios, o jovem seguia confiante para seu objetivo-sem-nome. Atravessou bosques, lagos, pontes, mais bosques até avistar um castelo. Era o castelo do mago Corpo-Sem-Alma. Joanorzim se transformou em águia e voou até o peitoril de uma janela que estava fechada. Transformou-se em formiga e penetrou no aposento através de uma fresta. Era um quarto bonito, e no (sempre) centro do quarto dormia a bela princesa em um baldaquim. Sempre formiga, passeou nas bochechas dela, até que a moça despertou, e se viu ao lado de um belo rapaz ex-formigo:
-Não tenha medo, bela, vim salvá-la!
Dito isso entra no quarto o mago Corpo-Sem-Alma para se afogar nas graças da moça. Fazendo cafuné no velho decrépito, que estava com a cabeça sobre o colo macio dela, a moça lamenta a sorte do guardião Oh temo pela sua sorte, se descobrem seu segredo; Ah minha princesa, olhe para você ver: só conseguem me matar se adentrarem a bosque do quintal, matarem o leão negro que lá habita. E não só isso, bela, teriam de vencer ainda o veloz cão que existe dentro do leão, e posteriormente, a águia que existe dentro do cão. E (só de sacanagem) teriam de quebrar na minha testa o ovo que sairia da águia. É impossível! Somente desta maneira minha alma retornaria a meu corpo, matando-me. Ficou mais tranqüila agora?
Joanorzim, a ouvir daquelas palavras não perdeu tempo, se dirigindo ao bosque, rapidamente encontrou o leão negro. Por sua vez, utilizou a garra para transformar-se no mais forte leão do mundo: rasgou o felino do mago. Como em profecia, da barriga aberta saltou um cão negro, mas nosso herói já estava na própria forma de cão, de forma que digladiaram-se até sucumbir aquele que nascera da barriga aberta. Era a vez da águia negra, que não teve chances contra o filho dos deuses, o escrito nas estrelas, o sortudo Joanorzim-águia, que pegou o ovo que saiu do cadáver e deu-o à donzela prisioneira.
É agora que a vingança ressentida acontece, a princesa, cansada daqueles anos de odiosos ais-bela-minha-querida, adentra o quarto de Corpo-(quase não mais)Sem-Alma com uma tigela de sopa.
-Eu sei que está se sentindo mal, ó grande mago, trouxe essa sopa para que se sinta mais forte. Tome e Ah! Espere, deixe cá eu colocar esse ovo dentro pra ficar mais substancioso e
É. A donzela amargurada quebra o ovo na testa do velho. O final já se sabe, a alma volta ao esqueleto, a idade pesa e o cadáver se cria. Joarnozim volta e como bobeira é pouco, se casa com a bela ex-prisioneira-de-mago.



Fico imaginando quantos sentem a mesma coisa que eu diante de certas histórias (tão antigas-sempre novas) naquele formato guerreiro valente e virtuoso que cresce ao longo da narrativa passando por pequenas provas, até que se encontra na missão de sua vida. Ás vezes apanha um pouco, às vezes não (como Joanozim), mas sempre é bem sucedido e recompensado: seja na forma de mulheres ou bom casamento com a filha de um herdeiro, seja na forma de riqueza espiritual como Galaaz e a morte que é a salvação. Ou até mesmo Buda que atinge o Nirvana, Cristo, Naruto e outros personagens superfaturados que de tantas missões, confundem o esquema.
Isso sem tocar no ponto arqui-inimigo. Quando a história é boa, esse é abstrato, podendo ser um alter-ego, uma fraqueza, uma mágoa ou a loucura - como de praxe nos contos orientais. O modelo mais batido é o daquele vilão que é mau sem nenhuma razão aparente ou humanamente inteligível. É mau porque tem parte com o demo, ou porque é louco e no final acaba transpassado por uma espada ou morto pelo próprio metabolismo rebelde com tanta malvadeza.
O que nessas historias tanto nos fascina a ponto de precisarmos de histórias “idiotas” que nada dizem além de reforçar velhos preconceitos e morais, de achar divertido ler os feitos de Tristão que mais parece um Jet Li roceiro usando tripas da mãe para laçar o filho boi?

Essas perguntas me vieram à mente depois de ler o conto Corpo-Sem-Alma, incluso em um livro de fábulas com o qual presenteei alguém querido. Só tinha lido o posfácio antes de comprar, achando divertida a idéia de alguém mundano ler coisas que fizeram tanto sentido para crianças de outra era, de outro condado (ahahaha). Talvez seja essa também, a minha resposta. A verdade é que abri o livro, li esse conto e primeiramente, não gostei. Não gostei de ter me sentido vazia ou “tapeada”. Mas isso é tudo uma grande bobagem, visto que tal história intrigou-me a ponto deu escrever mais de 3000 caracteres.
Com certeza lembrei-me das terríveis e necessárias palavras de Guillermo Arriaga em uma das mais fantásticas entrevistas que já vi no Roda Viva: (algo como) “quero que o leitor leia meus livros e depois se pergunte porquê o fez. É esse sentimento que quero induzir...”.
Eu sorri de raiva quando você disse isso, querido Guillermo. Não é aconselhável brincar de razões com quem precisa delas para viver, para presentear, para ler um livro, para ler um conto, uma fábula e por fim, para quem se diverte com as peripécias de Tristão, odeia o Jet Li mas simpatiza com Jackie Chan.

Abraços para o amigo que, assim como eu, se sentiu tapeado ao ler “As Aventuras de Momotaro”, jovem prodígio nascido de um pêssego gigante (Momotaro significa, aliás, filho do pêssego) que sai de casa cedo para salvar o mundo, é reconhecido como valente antes mesmo de sustentar a espada pela primeira vez, mata um par de demônios, salva donzelas e..só. É herói, lembrado, reconhecido. Pelo menos entre os meninos japoneses daquela região antes de Cristo. (Feliz aniversário, caro)



[aos mais revoltados: eu precisava contar Corpo-Sem-Alma inteiro para efeito de empatia e total inserção. Mas não pensem que não dei uma resumida onde foi possível.]

*
E para falar um pouco de hoje: revoltante os últimos dez segundos do jogo de basquete, quando o camarada bate bola durante todo aquele tempo, para “enrolar”. Já estava liquidado, mas não deixa de ser desrespeitoso. Dói ver, de fora, alguém levar uma surra. Quando se está dentro, eu sei, é gostoso demais vencer de muito, nocautear.
Mas além da bobeira humanística em relação aos jogadores porto-riquenhos, foi sofrível ver o Galvão engrandecendo o Pan, loureando os atletas; enquanto eu vejo no dia-a-dia brasileiros tão desiludidos com o curso do país, com as tragédias, com a economia, com a política. Parece que é até de propósito ver um desempenho tão bom em tempos de crises, é quase irônico. E me sinto tão conspiratória pensando em acordos, em circo, em picadeiros.
Parabéns aos batalhadores,
Mas considero encerrado o Pan (pelo menos nesse blog, até segundas ordens).

terça-feira, 24 de julho de 2007

Artigo para site

A saga da ética no fotojornalismo
Por Evandro Pimentel e Lia Segre

“O que fazer? Preciso fazer alguma coisa. Pego a câmera e me reprimo. Fazer uma foto seria o ato mais insensível que alguém poderia ter. Mas por que diabos ando sempre com uma câmera? Até quando vou à esquina comprar cigarro, levo uma comigo. Justamente porque alguma coisa sempre pode acontecer. E eu precisava fazer alguma coisa, pelo menos para acreditar que tudo não tinha sido um pesadelo”. Este trecho faz parte da entrevista que o fotógrafo e autor de As Cidades do Brasil Tuca Vieira concedeu à revista piauí em sua edição de abril desse ano, quando através de uma surpreendente narrativa pessoal descreveu sua atitude após presenciar um suicida se jogando do viaduto da Avenida Dr. Arnaldo, na capital paulista. Há fotos que são notícias inteiras por si só, mas todas elas, sejam elas ilustrativas ou informativas, passam pelo crivo da ética, que é nada mais do que o estudo, a consciência dos limites válidos, estipulada por um público ou comunidade. No caso de Tuca, a absolvição veio da boca de um bombeiro: “Fica calmo, você não poderia ter feito nada”.
Fotojornalismo é o ramo do jornalismo baseado em imagens. Ele surgiu como uma maneira de complementar as informações que antes nos eram dadas somente através de descrições. Nasceu com todo aquele mito da veracidade inquestionável: uma foto serviria para tirar possíveis dúvidas, nos isentando da responsabilidade de ter de interpretar a notícia. Os casos de manipulação ocorridos antes mesmo da popularização da fotografia jornalística já serviriam para refutar o mito. Como exemplo, o caso das fadas supostamente fotografadas, quando em 1917 duas adolescentes conseguiram enganar Sir Arthur Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes. Até mesmo peritos da época declararam que os negativos não haviam sido alterados. Hoje, qualquer leigo percebe tratar-se de uma grosseira falsificação. Em 1902, foi fundado o movimento foto-secessão, por Alfred Stieglitz e Paul Strand, estabelecendo o direito da fotografia ser considerada uma das belas-artes Seja em casos extremos, como o da montagem das adolescentes inglesas, seja em casos mais discretos, como a escolha de um ângulo, percebeu-se que não só as fotos precisavam de interpretação, como o fotojornalismo envolvia toda uma ética a ser pensada. Mas, apesar disso, essa idéia ainda não está muito bem incorporada ao inconsciente coletivo e o mito da “verdade absoluta” sobrevive. Educar as pessoas para encarar a fotografia como uma pintura, ou seja, como uma linguagem carente de interpretação, torna-se então fundamental.
Segundo disse o estudioso e professor de fotojornalismo Boris Kossoy, em entrevista à revista História Viva, “A manipulação é inerente à construção da imagem fotográfica. A foto é sempre manipulada, posto que se trata de uma representação segundo um filtro cultural. São as interpretações culturais, estéticas/ideológicas e de outras naturezas que se acham codificadas nas imagens”. Fica assim explicitada a já citada importância da educação fotográfica: “A decifração das imagens vai além das aparências. Sua realidade interior deve ser desvendada segundo metodologias adequadas de análise e interpretação. Caso contrário, permaneceremos na superfície das imagens, iconografias ilustrativas sem densidade histórica”, completa.
Compartilhada por muitos fotógrafos, essa opinião não muda quando se fala em câmeras digitais: “Achava boba a discussão de que câmera digital permite uma manipulação melhor, mais apurada, porque a fotografia sempre existiu como instrumento político”, opina o fotojornalista João Bittar, responsável pela digitalização do arquivo da Folha de S.Paulo. “Corremos sempre o risco de sermos manipulados. No Rio, quando surgiu a discussão das digitais, reuniu-se uma assembléia que decidiu que quem fotografava de digital não era mais jornalista, sendo que preto e branco, típico do fotojornalismo, o [Sebastião] Salgado faz, e você não pode dizer que se trata da realidade. Aliás, o trabalho do Salgado é bom por causa disso: ele dá a opinião dele”, continua o fotógrafo, defendendo a parcialidade responsável dos profissionais de comunicação.
A National Press Photographers Association tem um código de ética para fotojornalistas que não condena a edição de uma imagem, “contando que a integridade da foto seja mantida”. Mas o que é integridade de conteúdo e contexto? Se houver uma superexposição, o fotógrafo pode - eticamente – editar a foto para restituir a ‘integridade’ que julgou originalmente ter captado? As circunstâncias que dizem respeito à atividade discutida são sem dúvida únicas, seja pela sua contemporâneidade, seja pela sua delicadeza e importância, tanto comercial quanto cultural.
É impossível falar de ética sem discutir limites: quanto vale uma boa foto? “Não é porque você é jornalista que pode ser diferente de outro cidadão qualquer. O ofício inclui o fato de você ser um cidadão. Você deve pautar suas atitudes nesses parâmetros: da ética, da solidariedade humana, do amor ao próximo. Esses princípios são pra valer e são pra todo mundo, inclusive pra nós”, acrescenta Bittar, na entrevista que nos concedeu.
A discussão da ética no fotojornalismo ganhou maior força em 1993, quando o fotógrafo sul-africano Kevin Carter fotografou um abutre observando e aguardando a morte de uma criança sudanesa subnutrida que definhava na relva, e mais recentemente este ano, quando o fotógrafo Tiago Brandão, a serviço do jornal Comércio da Franca, fotografou uma mãe salvando seu filho de um afogamento. Nos dois casos, a acusação foi a de não interferência do profissional no acontecimento. Ambos os fotógrafos são criticados até hoje, mesmo com o suicídio de Carter, apenas três meses após ter recebido o prêmio Pulitzer por sua mais famosa e polêmica foto. A atitude de Carter de fazer a foto, espantar o abutre e observar a criança por horas enquanto fumava e chorava é condenada por inúmeros blogs da internet. No caso brasileiro, algumas dessas páginas chegaram a colocar a foto do filho de Brandão e questionar se o pai retrataria o próprio filho se afogando ao invés de pular para salvá-lo.
Para João Bittar, cada caso é um caso. “Julgar as pessoas por elas terem tomado uma atitude depois que tudo já aconteceu é fácil.” O fotógrafo diz ainda que, no caso de Brandão, há dois aspectos importantes de serem analisados: “Um é que tudo teve final feliz, o que ajuda muito a pensar, o outro é que era um acidente doméstico, de alcance limitado. Se ele não tivesse feito as fotos e tivesse mergulhado com a mulher [Brandão afirma não saber nadar], a gente não saberia o que teria acontecido”. As fotografias, querendo ou não, conferiram veracidade ao caso, só que acabaram ganhando uma repercussão muito maior que a esperada.
A foto seria um produto mais rápido e instintivo do que ideológico, atitude-fruto da nossa sociedade imediatista e de vigilância. Há, por exemplo, quem ache válido mostrar o rosto de uma mãe chorando a morte de um filho, mesmo que a vida dela e de sua família não melhore propriamente, como forma de alerta. “É uma violência, realmente. Você me dá uma câmera objetiva, tiro a foto de uma mãe chorando, e no dia seguinte ela está em todos os jornais, todas as páginas de internet. Mas vai que isso incomoda a população, mobiliza o governo federal... Eu acho que aí, a foto cumpriu o papel dela, o papel social de denunciar”, diz Bittar, entrando em conflito com a visão mais cética do documentarista João Moreira Salles, que acredita que o respeito aos retratados vem em primeiro lugar: “Que direito você tem de dar um close no rosto de uma mãe que chora, de registrar aquele momento que lhe é tão íntimo?”
Há infinitas posições que se pode tomar frente à ética, mas essa talvez seja uma conversa sem fim, pois a ética está atrelada ao homem e ao seu conjunto, a uma sociedade que está em constante mutação. Mas parece difícil que a conclusão de Bittar tenha algo de inválido, mesmo com essa característica: “Eu acho que para ser um bom jornalista ou fotojornalista, você precisa ser uma boa pessoa. A ética está no pacote todo”.

sábado, 21 de julho de 2007

Heróis e vítimas

-Porque eu vou torcer por aquele cara? Olha pra ele, que coisa babaca. Por que ele ganhar mais um ouro faria alguma diferença na minha vida? É a matrix cara! Matrix!- diz colocando a mão na frente dos olhos, depois de olhar por alguns momentos -virando o pescoço -a Tv daquele restaurantezinho que parecia uma padaria, mas que vendia espetos com linguiça e ovos fritos estatelados em cima de montanhas de arroz.
Olhei para meu prato com aqueles pedaços gordurentos, ainda me divertindo com a rebeldia de um cara de 40 anos que era apaixonado por música e por um baixo, bom marido, futuro pai.
-E o futebol? - provoquei, revirando aqueles pedaços no vinagrete - também é matrix, consagrado no país. E vivo lendo colunistas e cronistas que fazem aquela intertextualidade com a vida, "futebol é mais que arte, é mais que esporte". Tenho que reconhecer mas...Porque eu não gostaria de salto ornamental, por que é diferente?
-Eu adoro futebol - respondeu com o olhar meio distante, que nem a voz.

E todos da mesa concordaram, reconhecimento da minha incapacidade à parte, que entretenimento é importante, e que poderia, sim, ter sido salto ornamental a paixão nacional.
No fundo não importa se a escova é música ou esporte. O que importa mais agora, para mim, é saber se apóio essa iniciativa, até que ponto isso é importante para o Brasil.
Dizem os comentaristas que os atletas representam o país, seja em rasteiras e lutas em baixo centro de gravidade, seja em uma graciosa partida aparentemente amistosa de hóquei de grama, ou em um leve e equilibrado show de ginástica olímipica. Na trave, no solo...
Alguns povoados no Rio perderam as casas e o direito de morar,
utilizaram o triplo de grana que seria necessário
fora as falhas de sempre...
e eu fico imaginando porque participar dessa guerra silenciosa.
Toda competição é violenta, e nisso dou alguma razão ao meu camarada da fala escrita acima; para que vou torcer para alguém que treina 8 horas por dia para competições? Isso irá ajudar o país? Ah, auto-estima coletiva? Aí vem aquela conversa esquizofrência já conversada, e chegamos à conclusão de que temos de jogar o jogo do mundo.
Temos mesmo?!
Ainda não consegui me convencer de algo,
e enquanto me questiono em relação ao Brasil e ao mundo (porque eu sou brasileira, querendo ou não. Mesmo sendo contra nacionalidades, elas existem: serei conformista ou inutilmente revoltada?), me emociono com as propagandas de atletas
assisto os jogos de basquete
acompanho o judô.
Sempre odiando a violência, odiando a guerra biológica, genética
e lutando contra minha consciência
sendo vencida por alguma paciência inexistente,
O maior fantasma que já me atormentou.


[poderia ter colocado uma foto tradicional, mas essa é para lembrar o ridículo de qualquer cobertura de evento: achei essa foto do Flávio Canto na seção "musos do pan", no site terra. Mais um herói]


Notícias da Cidade de Fogo

Se vou bem?
pergunte a meus irmãos que agora têm sonhos vermelhos.
poderia responder por mim própria
me desvencilhando
mas não seria muito humano estar bem, feliz
combinar uma saída no celular do outro lado da cidade.
mas às vezes penso o contrário:
que me sentir bem
que ignorar
seria completamente, intrinsicamente humano.
então
me desespero,
choro um pouco
e atendo o celular.
só que não vou dizer que estou bem, não, não vou. mesmo que seja tão natural
[it's only natural]
vai pro inferno
mas deixe essa cidade fora dele.

domingo, 15 de julho de 2007

Versões do(s) século(s)



Os novos hedonistas
por Antônio Gonçalves Filho

Michael Onfray é um fenômeno capaz de vender 200 mil exemplares de um livro de filosofia só na França, o jovem professor é visto por seus pares como um Paulo Coelho com doutorado em Nietzsche. Com 48 anos já publicou mais de 30 livros, entre eles, Tratado de Ateologia(...). Como Onfray, identificado como o filósofo do prazer, outros pensadores franceses tem embarcado na nave dionísica do hedonismo rumo à conquista do espaço ocupado no passado pelos gauchistes de Saint-Germain-des-Près. A civilização de Apolo chegou ao fim, decretam novos hedonistas como ele e Giles Lipovetsky, que também lançou este mês seu livro A Sociedade da Decepção (Editora Manole) no Brasil.
Lipovetsky, que cunhou o termo hipermodernidade para definir a sociedade contemporânea, marcada pela cultura do excesso, não vê nada de mal em incentivar o prazer e o consumo. Serviu até de consultor de grifes (suspiro) de moda, seu assunto preferido. A exemplo de Onfray, é um bestseller em seu país com livros como A Era do Vazio e O Império do Efêmero. Parece estranho que títulos como esse, que traduzem a dramática falta de valores (dramática? =P) perenes, atraiam tantos leitores, mas o mundo contemporâneo, diz Lipovetsky, é mesmo paradoxal (nisso tenho de concordar com o moço). Seu hipermaterialismo relança, diz ele, exigências espirituais e éticas que vão mudar esse paronama (parece a busca pela redenção, pela cura do sentimento de culpa por estragar o planeta e a vida- a própria). O homem hipermoderno seria também um hiperindividualista que, sofrendo as pressões da vida profissional e privada, assume o papel de legislador da prórpia existência- daí a lógica hedonista que, garante o filósofo, vai continuar a organizar o nosso cotidiano.
Vivendo numa época de ceticismo, os jovens, observa o sociólogo Mafessoli, perseguem o gozo por desconfiança na política e nos políticos. Eles não querem o êxtase revolucionário, mas o "êxtase doméstico", tribal. Mafesoli é o pensador do nomadismo e do tribalismo. Acredita que as migrações vão alterar a face do homem do futuro. O mundo que está por vir, diz ele, não é o da razão triunfante, mas o do ventre (intertextualidade com aquela divisão platônica dos homens entre os regidos pela razão [cabeça], desejos [ventre] e violência [braços e tórax])

trecho da entrevista com Michael Onfrayn:
Sua filosofia celebra o hedonismo e os sentidos, mas que siginifica hedonismo num mundo cheio de guerras e intolerância? É possível, nesse contexto, separar hedonismo de consumismo? O que significa essa expressão cunhada por você, "sculpture de soi" (escultura de si)?
-O hedonismo não é a mesma coisa que o consumismo, é exatamente o oposto. É o antídoto. O consumismo é o hedonismo liberal e capitalista que afirma ser a felicidade a posse de bens materiais. Que filosofia defendeu uma estupidez dessas? Nenhuma em 25 séculos, muito menos a minha. O hedonismo é a arte de ser, não a de ter. E a arte de ser é a sabedoria ascética do despojamento: não se cobrir de honras, de dinheiro, de riquezas, de poder, de glória e outros falsos valores ou virtudes, mas preferir a liberdade, a autonomia, a independência. A escultura de si é a arte dessa técnica de construção do ser como uma singularidade livre.

Trecho da entrevista com Gilles Lipovetsky:
A Sociedade da Decepção fala de uma sociedade marcada pelo excesso e francamente hedonista. Como você analisa a defesa do hedonismo por filósofos como Michael Onfray? Você se identifica com ele?
Onfray é um apóstolo do hedonismo. Não é exatamente meu caso, embora defenda o consumo e o hedonismo. Não sou moralista. Veja, temos um mundo que camiha na direção de uma hipermodernidade e, por outro lado, um outro mundo que volta à religião. Há nisso uma nostalgia de época menos turbulenta, mas não acredito que essa seja uma nostalgia do sagrado. Por outro lado, desde os anos 60, o crescimento do consumo virou fonte de permanente frustração. Você sempre está sonhando com um produto melhor, e se decepciona quando não o tem, não se conforma com a falta dele. Daí a frustração infinita, a obssessão pelas grifes, pelas marcas de prestígios que poderiam garantir essa qualidade. O que defendo no livro é que essa frustração pode significar também uma oxigenação da sociedade.

trecho da entrevista com o sociólogo Maffesoli
Os filósofos franceses não se cansam de defender o consumo e propor a prática do hedonismo como saída para a crise. Como o senhor prevê esse fenômeno?
-Primeiro, devo dizer que há uma grande diferença entre o que penso e o que defendem Michael Onfray e Gilles Lipovetsky. Não sou catastrófico. o sucesso de livros como os de Onfray responde a uma expectativa popular, embora essa filosofia não tenha a dimensão de um novo existencialismo. O problema da pós modernidade não é como acabar com o monoteísmo, como pensa Onfray, mas como administrar o politeísmo numa realidade futura de tribalismo e nomadismo. Outro dia eu estava discutindo a barbárie com Umberto Eco e ele defendia que estamos voltando à Idade Média (como bom medievalista que é). Meu cenário é ligeiramente diferente. Defendo a sinestesia, termo médico que tomo emprestado para falar de uma experiência subjetiva ditada por sensações de outra ordem mas que trazem um ajuste entre todos os órgãos. Estamos deixando a homogeinedade da sociedade moderna, pautada por idéias de estabilidade, para abraçar a heterogeneidade pós-moderna. Como toda aprendizagem, esta também é cruel. Trata-se de buscar a conjunção entre hedonismo e exigência intelectual.[fim]
OESP17_06


[-Shinji, seu idiota...]

Para Lévinas,
"Talvez o fato mais revolucionário da consciência do séculoa XX(...) seja o da destruição de qualquer equilíbrio entre a teodicéia explícita e implícita do pensamento ocidental."

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Conflito de Gerações II

"A mocidade é horrível: é um palco em que, representando tragédias com as roupas mais variadas, crianças se agitam e proferem fórmulas decoradas que compreenderam pela metade e às quais se agarram fanaticamente."
Ludvik de "A Brincadeira" se recordando dos tempos de juventude

"-É- disse Zemaneck-, eles são diferentes. Ainda bem que são diferentes! E seu vocabulário também, felizmente. Nossos sucessos não lhes interessam, nossos erros também não. Você não vai acreditar, mas, nos exames de admissão para a faculdade, esses jovens não sabem mais nem o que foram os processos de Moscou, Stalin para eles é apenas um nome. Imagine que a maioria deles não sabe nem mesmo que há 10 anos ocorreram os processos políticos de Praga.
-É isso justamente que me parece abominável- disse eu.
-O fato é que isso não depões nada a favor da instrução deles. Existe nisso, porém, uma liberação para eles. Eles se fecharam para o nosso mundo. Recusam-no em bloco.
-Uma cegueira substitui a outra.
-Eu não diria isso. Admiro-os justamente porque são diferentes de nós. Eles gostam do próprio corpo, nós negligenciamos os nossos. Eles gostam de viajar, nós ficamos parados. Eles gostam de aventuras. Nós perdemos nosso tempo em reuniões. Gostam de jazz. Nós copiamos sem sucesso o folclore. Eles se ocupam de si mesmos. Nós queríamos salvar o mundo. Com nosso messianismo, quase o destruímos. Com seu egoísmo, talvez eles o salvem".


Ainda em "A Brincadeira", conversa entre Ludvik e Zemanec, que refletem sobre a nova geração que os substituíram em idade, mas parecem negligencia o Partido, a Revolução e todo o nacionalismo (vá lá, ufanismo) decorrente, que estava tão em voga 10 anos antes. É como se agora eles quisessem usar jeans em vez dos trajes típicos, tocar violão em vez de clarinete e címbalo, cantar canções em inglês.

Após a 2ª Guerra Mundial, a República Tcheca ficou sob influência soviética, e o pacote veio permeado do autoritarismo stalinista vigente na União. O autor, Milan Kundera, foi expulso do Partido duas vezes (fator presente e que serviu de inspiração para seu primeiro romance - já citado) por discordar dessa faceta do comunismo real. Tanto que foi um dos intelectuais ativos na tentativa de mobilização política que ficou conhecida como Primavera de Praga - tentativa de humanização do regime.

Esse conflito é mundial e atual. Ainda não sei classificar nossa geração, e acho que não vou perder muito tempo com isso, por enquanto. Talvez me preocupe quando já tivermos sido substituídos (me lembrei agora daquela idéia de algum filme/música/livro, sobre "dar lugar" aos que vêm depois. Que isso faz parte da vida, "saber viver é também saber que o seu tempo já passou"), quando for o tempo real dessa discussão. Mas me desculpe Zemaneck: não acho mesmo que um mundo melhor pode ser construído com egoísmo.
E é por isso (egoísmo) que fiquei pensando se essas gerações não são coincidentes (mesmo que seja um povo envelhecido da Rep. Tcheca, como aqui no Brasil as coisas são mais demoradas...) em qualquer, algum aspecto, mesmo que as conjunturas tenham sido violentamente diferentes, antagônicas ao cubo.
Acho que o negócio do mundo é que ele vai continuar a mesma coisa,
com ou sem Partido
com ou sem egoísmo.

se não for egoísmo vai ser olho gordo, vai ser inveja.



[vista noturna de Praga]

A desculpa para a temática à parte, pouco atual

Estava me sentindo borocoxô por aquela antiga sede, vontade, ter desaparecido. Pelo menos por hora. Não cansei de ler os livros, mas abrir o jornal todo dia nas férias têm se revelado mais enfadonho do que revelador: as páginas não trazem nenhuma surpresa, elas são iguais, são combinadas. Minha mente, mais que meu corpo, recusa a pesquisa; e só quero que esse marasmo passe rápido,que o sal vá embora. Que tudo seja preguiça típica de início as férias, e não algo mais profundo que envolva gigantes como decepção, desilusão.

domingo, 1 de julho de 2007

A Puta

Por Lia Segre e Pedro Sibahi

Puta-que-o-pariu, puta-que-te-pariu, puta merda, putz grila, puta(!), putona, putíssima, putinha, filho-da-puta, filha-putisse, putaria, putada...

Gerúndios, particípios, superlativos, porque todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser e...não! Não estamos aqui para defender a língua, seus predicados, por mais prejudicados que sejam.

Nem aqui a intenção é ofender alguém, chocar.

Mas sim, tentem entender, a intenção é sim divagar sobre A Puta.

Não a, as da vida, aquelas da esquina... A.

O ser maior, místico, presente na boca do povo, da nata, das crianças mal-criadas, dos pré-adolescentes auto-afirmantes, dos jovens desencanados/encanados, dos adultos estressados/engraçados, na dos velhos boa praça/boca sujas/bocas de marinheiro.

Médicos, mendigos. filmes cults, brasileiros, italianos, espanhóis, chineses; populares, massivos, alternativos, para muita, pouca, média gente.

De tanto ela existir em todos os momentos, e vez por outra, e em todos os lugares do mundo, invocada, culpada...

O fato é que ela é adorada e odiada.

A culpa é sempre dela,

A ofensa pertence à ela,

E sem ela, muitos dos xingamentos que foram feitos não se fariam.

Quem seria esta mística mulher? Onde estaria?

Seria ela as putas de todos os séculos e milênios? Seria a materialização do desprezo dos puritanos e conservadores? Estaria condenada, carregando o peso do mundo em suas costas, todo um ódio, ou quem sabe inveja? Vontades não realizadas, paixões não vividas, aventuras que não passaram de planos?

Não. Ela iria além das gueixas japonesas, dos templos indianos de Shiva, cabarés franceses, pousadas de Gênova, tabernas inglesas, bordéis americanos.

A malfadada Puta poderia ser não mais que um simples reflexo de nosso ódio contido. Uma simples convenção oral pela expressão de raiva, de nosso instinto animal. Está, ou simplesmente veio da péssima imagem que o meretrício teve desde sempre. Mas mesmo que seja daí, ela já é mais que isso. Já não é um adjetivo, um substantivo. Já é um advérbio, quem sabe até um verbo. A Puta expressa mais do que imaginamos, ou nunca paramos para pensar. Ela expressa negação, felicidade. Expressa quem sabe uma forma de agir (putamente?). Ainda não ouvi ninguém falar que vai putar hoje, mas talvez não demore...

A verdade que alguns chegaram é que simplesmente não existe motivo para o gosto que as populações tomam por certos termos pejorativos, atuais ou passados. O começo entendemos: aquele temido nome, antes usado comumente por homens-feitos, marinheiros e cafetões, passou a ser falado pelos seus filhos, suas irmãs ouviram e...logo o mundo inclinou um pouquinho, (tenho certeza que sim!) no dia em que aquela menininha dava seus primeiros ensaios vocais pezais- “p..p..u...pu...pu!..”. Ela provavelmente espalhou para algumas colegas, que contavam para os colegas da rua e, é, não parou mais. E se as mães não gostavam, nada mais arriscado, era adrenalina pura reunir a meninada do bairro e citar aquele linguajar de porto. As mães ouviam, se enfezavam, mas longe dos filhos, usavam nas brigas com os maridos, talvez. E foi essa abstração que fez A Puta ser bem mais que uma qualquer por aí (Deus nos livre!). Essa menininha, por obséquio, não fez nenhuma ligação. Falar a palavra p era tão errado quanto não escovar os dentes. Tão errado quanto comer meleca, tão feio... Foi nesse momento –aquele mesmo, em que a Terra inclinou um tico- que a dita cuja se desprendeu, se redimiu, (quase, talvez) tornou-se verbo, tornou-se um outra idéia e foi flutuando para o mundo onde as idéias vivem felizes.

Aos fazedores de idéias (leia-se nós), resta gastar tempo pensando se a idéia Puta algum dia trombou com a idéia daquela da vida. Ou desafiar o bom-gosto, o bom-tom, a boa educação, o berço, o porto, o morro, o vento, o jardim, o das infâncias, o internato, a praça, a cozinha, o escritório, o bar, o bar sujo, o bar chique da Vila Madá..

E

Puta.

Puta-que-pariu, puta-merda, putz grila, putonga, putz, puta-vida, putaria, putanha, putisca, putei, putou, putaram, putais, putam, puta, puta e puta.