sábado, 26 de janeiro de 2008

hoje uns tempos atrás

Era verão na piscina pública, é claro que a água estava super agitada naquele dia insuportável de quente. Talvez a piscina fosse insuportável também, morna por causa do motor-multidão, mas nem para todos. No canto mais perto da ducha dois humos conversam. Eles não conversam só, eles se entendem no turbilhão caótico de palavras, bafo, bolhas e ondas. Os dois humos que achavam que eram amigos até aquele dia descobrem que não há limites para o que estão se tornando segundo a segundo, e quando sentem frio num momento de distração, percebem que já estão sozinhos ali, e estão velhos. Riem-se da distração e retornam o assunto, aumentando a cada segundo e indo até o céu e...

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Desertos e espaços vazios

Não esperei muito tempo. Mas nem me importaria se tivesse que esperar mais. Aquela lanchonete decadente era um refúgio no meio daquela cidade apertada, como se seus croissants secos e seu café forte demais – de dar dor de cabeça – fossem enormes montes que poderiam me abrigar. Mas não importa se tinham cavernas ou mato alto, o que importa é aquela moça que entrou apenas dez minutos depois, aquela pela qual esperava, deixando a cama e a depressão num domingo de manhã (me enganava. Não a tinha deixado em nenhum outro lugar do mundo, mas só fui perceber tarde demais).
A protagonista entrou e nem bem tinha se acomodado já começou a falar e responder todas as minhas perguntas num frenesi não-vamos-perder-tempo-nós-duas-sabemos-porque-estamos-aqui. Ok, não foi bem assim, mas foi como gravei, pulando toda a baboseira sobre a mancha roxa embaixo do olho direito, porque é exatamente assim que eu queria que tivesse sido, nem que seja pra ficar mais fácil a tradução.
Se ela andava feliz? Não, não. Como sempre. Porque ele então, de novo – logo perguntei. De novo não - me respondeu muito séria -, pela primeira vez. Nunca o teve como tinha agora, nenhum outro, aliás, acrescentou. O que tem de diferente agora? Seria idiota falar que é sinceridade, mas a base é algo assim (ela sempre foi cheia de teorizar as coisas. Achei engraçado ver como continuava igualzinha). Porque você não está feliz? Essa é a questão, começa daí: paramos de fingir que éramos algo, entende? Que éramos suficientes e ríamos com nossos amigos, abraçávamos nossa família, líamos bons livros. Nós nos reconhecemos, foi isso. Reconheceram-se como vermes que se mereciam – tentando a fazer rir -? Eu vi a minha solidão nele, Lia.
E como sou eu que conto a história, ao dizer isso ela me deu um beijo sem emoção e andou e atravessou a porta de vidro e cobre envelhecendo. E foi, e eu a mirei até desaparecer na parede de vidro da lanchonete decadente que fazia de seus fregueses manequins de uma forma não muito inteligente ao servir aqueles croissants duros. Seria melhor se fosse fosco até a altura dos que sentavam mais perto da janela. Se assim, eu teria visto apenas metade dela desaparecer de perfil, com toda aquela solidão encontrada.
Era a mulher mais feliz do universo.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Bilhetes

Mari Marmitex

38212786
97331937

Vitor Ramil + Marcos Suzano
"satolep sambatown"
1 Livro Aberto
2 Inverno
3 Viajei
4 Que horas são?
5 O copo e a tempestade
6 A zero por hora
7 12 segundos de oscuridad
8 A ilusão da casa
9 Café da manhã
10 A word is dead
11 Astronauta lírico

[dois bilhetes encontrados aleatoriamente em uma arrumação de pelos menos um ano de atraso. É claro que encontrei inúmeros outros bilhetes e coisas - incluindo uma fantasia de freira que não sei porque, achei que ía usar depois de um teatro -, mas esses foram os únicos que, a princípio, eu não lembrava de jeito nenhum o porquê, nem a ocasião. Só o segundo tinha a minha letra. Marmita?]

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Cuba Libre

Eles se conheceram naquele lugar bafo quente que tinha montanhas embaçadas - mas só as mais distantes. As de perto era verde-brilhante-padrão, e aquelas do horizonte mais ou menos porque não eram tão longes assim, eram verde-apagado.
Ela achava que o desfoque não tinha a ver com a grande quantidade de churrascos naquela época do ano, mesmo que a fumaceira de tarde enchesse o ar. Pelo menos de noite era tudo igual, aquele clichê de montanhas, casinhas iluminadas e um rosto no meio dos espectros de montanhas.
Eles eram opostos, viam tudo de modo avesso, tinham planos contrários. Mas tinham nascido um perto do outro, e vivido aqueles poucos anos em situações muito próximas, mas com uns anos de defasagem. Ah, se deram muito bem, sim senhora. Se cumprimentaram sobriamente com todo um preconceito de quem já ouviu falar do outro lado, daquele povo. Mas resolveram se ver como seres vizinhos que (por Deus!) tinham muito em comum. Descobriram vida onde julgavam perdido, e alma onde chutaram vazio.
Se eles fossem um tico mais parecido tudo seria diferente, mas exatamente por que os planos dele pareciam tão absurdos é que ela quis sentar e ouvir um pouco do que aquela alma tinha a dizer. É claro que ela disse também, e para não se trair, tentou convencê-lo de que ele estava bem errado, e como! Mas no fim, a história toda era tão maluca que ela só conseguiu sorrir, e entendê-lo. No fim eram iguaizinhos, irmãos, e gostavam daquela paisagem embaçada com as casinhas alumiadas bem clichê.