-Você vai lá sábado?
-Ah, vou sim. Eu estou querendo experimentar uns cafés diferentes agora, sabe, aqueles com aromas...
Não. As duas feanas* conversando não me interessam, não naquele momento. Meus ouvidos captam sem muita vontade aquele papo desinteressante, mas meus olhos estão atentos para algo mais sutil (ou tão escabroso que todos fingem que ninguém vê, e torna-se sutil desta maneira. Vamos fingir que é normal, estamos nesse lugar estranho afinal).
(Nome do clube)
Para sua segurança:
-Mantenha sempre seus pertences no armário com cadeado;
-Nunca deixe objetos pessoais sobre a bancada;
-Em caso de presença de pessoas estranhas, favor informar à direção.
Oi, com licença. Eu estava no vestiário quatro, aliás, sempre estou. Mas lá é cheio de pessoas estranhas, achei melhor comunicar-lhes. Tem umas mulheres muito peitudas que jogam vôlei e sempre ficam marcando churrasco, isso caracterizadas como vieram ao mundo. Ok, tudo bem. Mas o que dizer das meninas que entram depois de mim, saem antes, e de cabelo molhado? Isso é muito estranho só pode haver algo errado, não é possível. Eu não demoro muito, e juro por deus, elas saem arrumadas, de salto e brincos. Isso sem tocar na questão das que se trocam em cima das bancadas, no alto mesmo, como se desfilassem. É gracioso, eu sei, mas vocês pediram pra avisar sobre movimentações estranhas, e eu não faço essas coisas. Eu não seco o cabelo naquele lugar, se é que vocês me entendem.
Estou forçando, claro. Dessa maneira meia dúzia poderia reclamar dos meus rituais pós-treinos, eu não sou exceção, ninguém é igual.
Mas aquele dia meus olhos foram sugados para outra dimensão
eu estava me arrumando então
subitamente
aquela mulher me chamou a atenção.
Não são os muitos minutos gastos na frente do espelho grande apertando a gordura da barriga, deformada pela quantidade de tecido adiposo (deve ser por isso que usa blusas de moletom largas). Ela tem uma cor bonita, bem escura, e os cabelos são lisos e negros, bem escorridos... é uma mulher bonita.
Não são, novamente, os milhões de sacolas que ocupam, juro, metade da bancada central - não se tratam de malas ou mochilas, mas sim de dezenas de sacolas de supermercados diversos. Nem o fato de ter tirado um ralador de uma de muitas, e de outra uma cenoura e ter se posto a descascar aquela raiz no lixinho do banheiro.
E depois comido, acuada, com o umbigo à mostra.
Ela estava lá, de top, comendo sua cenoura. Eu já não ouvia mais nada de interessante, eu a lia, somente. Porque tanta vagareza? Não tinha sido a primeira vez que a vira, ela sempre estava com as suas sacolas espalhadas, e sempre com alguma fruta na mão, mas era sempre muito devagar, como se quisesse matar o tempo.
Foi isso. Que nem Ludvik e Lucy, ela bem devagar, tanto que o fez parar, o fez pensar e
Não.
É mais que isso. Sempre sinto pena dela, penso se alguém a está esperando, se ela é que espera alguém, se ela não tem nada pra fazer. Deve ser por isso que eu não paro: de certa maneira eu acho meio deprimente. Ou pena por simplesmente alguém a fazer esperar tanto tempo.
E ela tem de ficar com suas sacolas
E cenouras
Durante muito tempo mesmo.
Há 14 anos
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