terça-feira, 27 de maio de 2008

Planos

-Não precisa ser saudosista - disse começando um longo discuros, acreditava, mas logo foi interrompida
-Eu sei, eu não sou.
-Eu aprendi que preciso aproveitar o momento, as pessoas, e o que já se foi eu lembro com carinho, mas não querendo que nunca acabe.
-Sim, sim. Sabe, eu estou empolgado pra essa nova fase começar
-Que fase nova é essa? - perguntou para o amigo que estava muito feliz saindo do velho emprego, e só sabia definir a simples e pura vida universitária como fantástica.
Então o amigo abriu o sorriso mais sincero dos últimos tempos e disse um "não sei" muito feliz.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Live from Dixie Pig

O pé direito enorme e o papel de parede aveludado faziam aquele lugar sussurrar tristemente tempos de glória e luxúria. Tempos que tinham ficado para trás assim como o bairro inteiro, que professava pateticamente uma cultura vanguardista que nunca existiu. A decadência sempre esteve nesse lugar, o veludo azul escuro nada mais era do que uma tentativa grãfina de quem sempre roeu ossos. Não, a idade e o bolor não poderia disfarçar seu reboco vagabundo.
E é nessa sala (mal) iluminada por uma única lâmpada sobressalente de um lustre de 10 delas, que conversam dois duplos. Têm formas humanas, mas são apenas projeções dos seus donos que dormem. A penumbra não é suficientemente densa para ocultar as rugas de um senhor(?) encurvado, que segura forçosamente um cachimbo quadrado entre os lábios. Elês estão conversando há algum tempo, mas é a partir desse trecho que pegamos algo:

-Porque realmente, devem ter acontecido bastantes mudanças com você tomando por base a nossa última conversa sobre relacionamentos e tal e coisa... - interroga a segunda figura. Essa tem desenho de mulher e fala dodecáfona, esganiçada.
-Você lembra o que eu pensava? - responde o velho, rápido demais para a idade que aparenta - Agora? Mas sim, aconteceram bastantes mudanças comigo, não posso negar
-Não acredito também no amor que dizem por aí, esse amor que as pessoas sentem
-Humm, é isso mesmo
-Mas com certeza é muito cedo pra falar essas coisas.
-Sim. Eu acredito que o amor é uma opção, uma escolha e continuo não acreditando no que antes critiquei. Se bem que - pausa - eu não acredito em nada, estou só tentando descobrir algo. Não sou mais tão enfático como antes ao negar coisa, estou mais.. ponderável - e dá uma baforada grudenta que se mistura com os outros vapores da sala, certamente provenientes da cozinha vizinha, daonde também vêm um cheiro agridoce de fazer os olhos chorarem.
-Entendi... Então não adianta eu perguntar o que vc espera de um relacionamento a dois, pq vc ainda não descobriu né?
-Descobri? Não, ainda não. Que pretensão, por Ds.
Mas porque eu preciso dele... ainda não. Eu sei que somos seres incompletos. e nossa única aspiração é atingir a completude. Mesmo que eu seja muito criticado pela visão dualista, claro que me critico, não consigo deixar de pensar que os humanos querem ser deuses, e apenas isso.
Eu sei que gosto dele.
-Certo. E isso basta
-Não, não basta.
Não basta gostar, é preciso um esforço gigante - gigante, repete - uma paciência do tamanho do mundo.
-Que complicado tudo aquilo que vc falou, Mestre.
-O fato é que, os humanos querem ser deuses.
Mas pra serem deuses, têm de ser completos.
Só que, ao afirmar isso, eu me baseio em uma dualidade, em uma concepção platônica de perfeição. E sempre me questiono, por que Platão?
Porque fui criado com concepções como "deus", "perfeito", "imperfeito" e assim por diante, sendo que essa é só mais uma visão de todas as que existem. - e dá uma pausa, como se finalmente a idade tivesse vindo com toda as suas dores. Quando voltar a falar, parecerá cansado. Até os duplos se cansam em suas brincadeiras noturnas de andar por aí - A questão é que, se por um acaso eu fosse de uma tribo indígena da américa do norte, eu poderia acreditar que eu sou parado no mundo, e as coisas passam através de mim, ao invés deu andar por aí. Ía acreditar que o mundo flui sob meus pés.
-Tá...só me explica o negócio dos humanos quererem ser deuses, que daí eu tento entender o raciocínio posterior - respondeu displiscente.
-Só porque eu nasci onde nasci é que eu penso assim, de maneira ocidental
os humanos querem poder, pequena.
Querem se sentir bem O TEMPO TODO
a filosofia busca isso
[a alegria
[o hedonismo
Você se sentir bem o tempo todo. Acho que isso vem muito de negar a solidão, e negando a solidão, você fica "cheio"
-Cheio de que?
-E é isso que buscamos em outra pessoa. Nos apoderar dela para compensar nossos defeitos e sermos mais "cheios". Buscamos as coisas boas dela para nos sentirmos bem todo o tempo
-Mestre, se me permite tal atrevimento, não acha que falar de toda a humanidade é uma tarefa grande demais? Por que não quero alguém para compensar meus defeitos, me apoderar das suas qualidades. Gosto de pensar que as coisas são mais sinestésicas do que filosóficas.
-Tudo bem expor sua opinião. Mas continue: sinestésicas? - e ri um riso cansado, já é totalmente velho.
-Sim, do que se sente... Algo como estou namorando por que gosto dele, gosto de estar com ele, escolhi estar com ele. Para mim essa linha da raciocínio é super redondinha, se fecha completamente.
-Cuidado com fechamentos, caro. Eu escolhi estar com ele - como pode ser redondo algo assim? É totalmente aberto! Uma flecha que percorre o universo, isso é. Vá agora, há outros mundo além deste.

É o fim do falação. Eles vão ficar aí um pouco mais. Até chegar a hora de se dirigirem ao ambiente vizinho, daonde vêm a fumaça agridoce. Aonde se juntarão à mesa com outros duplos, para um banquete onde serão servidas carnes de todos os tipos, para sua felicidade.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Someone saved my life tonight

Tento fechar meus ouvidos ou desviar meus olhos para tentar passar sem essas bobeiras que se tornam bobeiras enormes quando se tem a paciência curta
ou a razão firme
ou coisa que o valha.
Não é nada firme, percebo, é apenas um cansaço. Uma intolerância não estúpida - ou a mais estúpida de todas
que é a de se olhar pra cima para não ter de olhar o terreno curvo e cacofônico que
pedregulhoso sangra os pés.
O caminho me leva até o supermercado
[vejo absorventes masculinos]
sinto cheiro de peixe
e penso que quero um chocolate.
Que engano, nem chocolates eu quero
Gastaria com qualquer coisa agora mas não
eu não quero nada.
Nem deitar e dormir, nem voar, nem ser raptada pelo flautista de hamelin.

Sinto uma vontade enorme de falar o que eu penso
e vontade de uma liberdade enorme de saber que meus pensamentos não vão até a altura que as asas deltas vão
elas ficam paradas no ar até que alguém tenha paciência de ouvi-las ou apagá-las com a mão grudenta de não-querer
ou então elas despencam dos meus lábios costurados rumo ao chão
[pedregoso de sangra-pé]

então finalmente vem a libertação
e eu choro e me pergunto porque é que as coisas vão embora.
a libertação de saber que você é dispensável da mesma maneira que os transeuntes que têm a sorte de cruzar com você
[bem no momento em que você passa na calçada. Bem do seu lado.

e como quem quer provocar, surge bem diante de mim o momento de cruzar ruas.
é tudo o que eu quero, atravessar para chegar na minha casa. Estou cansada e com compras nas mãos (nada que eu queira, e que engulo sem vontade). E logo que eu precisava, o cruzar ruas. Só tenho de atravessar e estará tudo bem, conforme é.

[Quase]
passou perto como casca na ervilha, mas escapei dessa vez. Segui reto na avenida.



I have no home
The jungle is my home
Pull the string!
Pull the string!

Caso 465: A festa de Madame Camargo

Champagne, garçons, decoração, convidados: tudo parecia estar em ordem na mansão, e esta seria outra festa de sucesso da famosa artista. Estavam presentes políticos eminentes como monsieur Kassab, atores de todas as estirpes incluindo mademoiselles Antonelli, Ambrósio e Gonçalves - suas amigas de maior confiança -; além celebridades dos quatro cantos da cidade e de alguns países longíquos e vizinhos, d'O Pensador ao Dalai Lama. O prefeito de Nova York foi o último a chegar, mas certamente não chamou tanta atenção quanto monsieur Miklos, que parecia ter bebido além da conta e foi visto sendo inconveniente diversas vezes com Ambrósio, tirando o bom humor da beldade desde o começo do evento.
No dia seguinte, o detetive Holmes é chamado às presas pelo delegado do escritório central da Scotland Yard: após a festa, Madame Camargo notou o desaparecimento de caríssimas jóias e está muito preocupada.

Descubra
a) Quem foi o malfeitor
b) Qual meio de transporte ele utilizou para chegar até à mansão de Madame Camargo
c) Por que o prefeito de Nova York estava lá

Apresse-se! O jogo já começou!

[para Júlia]
[quem quiser saber mais]

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Opressor [nosso de cada dia]

Ele queria ficar sozinho mas soube por falação que a liberdade só existe quando tem o outro.
Porque ela nasceu da tirania.

Assim como do fraticídio surgiu a fraternidade
e da guerra a paz

domingo, 4 de maio de 2008

The não-word

Alguém já ouviu falar do cara que foi pro mundo oposto e se perdeu? O mundo oposto, digo, aquele dos nãos: não ditos, não feitos, não telefonados, não respondidos, não olhados, não lembrados... é infinito, e por isso mesmo é um mundo inteiro. Mas tem um detalhe assustador em tudo isso: se você acha esse mundo grande é porque não viu o mundo oposto. Imagine tudo que existe nesse mundo, todas as coisas que foram feitas, decisões tomadas, coisas construídas, caminhos escolhidos. Para cada e-mail escrito existe pelo menos dois não escritos. Para cada carta enviada existem dez não enviadas. Para cada copo de água engolido existem 20 não engolidos, e isso é mais que exponencial, é imensurável. E pra você que achava que esses copos não engolidos se dissipavam no ar como palavrões, saiba que existe um lugar feito do não-feito daqui. Acho que todos já entenderam porque esse outro lugar é bem maior, não? E porque nosso amigo do conto antigo não voltou para casa ainda: são poucos e bravos [e suicidas] os que se aventuram em conhecer o não conhecido.



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Desde sempre vivemos do não-dito, do não-olhar. E assim crescemos, e ficamos amigos pelas nossas não-intenções de aproximação e descobrimento. É claro que nos enxergávamos como uma selva, e disfarçávamos nossos olhos ávidos e gestos ímpetos, amparados pelo nosso orgulho - pai dos nãos que eram tudo o que tínhamos -, comíamos da mesa farta da não-abundância, em tantos não-encontros que tivemos.
Não sei se nosso abraço foi conseqüência natural, reverberação dos milhões de não-abraços dados, ou se foi flagra do nosso orgulho. Não sei se tudo o que existe é tão pobre perto do que deixamos de fazer, e essa bolha enorme de deixar de fazer e/ou atos deixados para posterior está crescendo pesada, e me engolindo. Esmagando-me com toda a culpa acumulada nessa história de cristã imunda pelo não-pecado.



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O que sobra de nós, disse ela jogando como azeite a frase filosófica que correu garganta abaixo de todos no grupo que conversava coisas sérias inusitadamente. Até hoje não sei a resposta, mas tenho certeza que, o que quer que sobre, querida, sobra bem mais no mundo oposto. Está gravando? Não? Escreve então, minha linda, que é a última de hoje.