quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Gaza em chamas

Feliz ano novo.

Quem acha que a desgraça fica no Oriente Médio tem que se lembrar das enchentes de Minas Gerais, região metropolitana de BH (é aqui que eu amo). E de como prefeituras do Rio Grande do Norte deixaram centenas de produtos doados aos atingidos empoeirando em depósitos. É problema da nova administração.
O que mais é problema da nova administração?
Deveria ter um jeito deu deixar os meus para a Lia do ano que vem. Método velho, costumo deixar pepinos para a Lia do dia seguinte, e não necessariamente ela é uma versão melhorada. A mesma coisa o eu dos próximos 300 quase 400 dias. Só uma versão modorrenta, mau humorada de sono após a meia noite.
Canso rápido em festas. Quando estou em casa é pior ainda, pois me dou ao luxo de ceder aos meus apelos mais íntimos. "Deite naquele sofá. Você pode tirar as sandálias. Você está em casa, para que maquiagem?"

O que eu de agora posso fazer é um brinde, e desejar boa sorte à versão 2009, que ela venha com ânimo! E claro, paciência para descascar os abacaxis passados deixados de presente. Feliz administração nova!

domingo, 14 de dezembro de 2008

Aqui em Itaobim

Para quem não sabe, em dezembro estarei na cidade de Itaobim, em Minas Gerais. Era para eu ter escrito isso antes, já está quase no final da expedição(ficamos até quarta feira, hojeédomingo). Mas deixo aqui o endereço do blog do projeto.
Espero que ao fim desse mêsele esteja cheio de coisas!

Até aqui a experiência tem sido peculiar. Vi coisas que nunca vi, e no começo estava impossível, extremamente cansativo. Desde ontem eu não sei se peguei o ritmo ou se ficou mais tranquilo, estou até conseguindo me divertir. Pode ser uma fase que dure até meia noite, e amanhã a correria ensandecida volte.

Mais experiências depois, quero colocar muitas fotos, pois elas resumirão muitos dos meus pensamentos.
Só posso adiantar que algumas particulariudades da cidade tem me encantado. E deixo aqui uma postagem minha no blog:

Visita domiciliar, bairro São Cristovão

A primeira foi Maria, 83. O ônibus parou e fomos encaminhados até um boteco - na versão mais real que a palavra pode expressar. Um homem com olhar perdido estava sentado olhando para fora e não se abalou quase nada com a chegada de nove uniformemente encamisados. Passamos pelo balcão e entramos à direita, logo no próximo cômodo estava a primeira paciente do dia: dona Maria, em seu leito de definho.

A visão daquela figura pequenina com os braços e pernas mais finos do mundo chocaram-me, mais do que a fisioterapeuta Lílian, acredito. Ela, o que chamamos de discutidora de casos (graduados) acompanhava o grupo, e as outras sete pessoas fora eu eram todas macacas velhas no atender pacientes nas suas áreas e pretensões. A cito, pois foi a que primeiro interagiu com Maria, demonstrando muita liberdade e doçura, tratando-a como se fosse uma rainha.

A velhinha dos cabelos brancos e pontas vermelhas rapidinho se soltou, e até ria das bobeiras ditas. Não só ela, o grupo inteiro respirou aliviado com o quebra-gelo, e cada um pôde interagir com ela da melhor forma possível. Algo que me chamou a atenção na hora foi o mutismo dos alunos frente aquela figura esquálida. Nós fazemos a bandeira inteira, realizamos triagem, atendimentos, coletamos sangue... Mas naquele momento falou a experiência de uma que há muito pouco deixara de ser aluna. Mais tarde me contaria ter paixão por atender idosos, então naquela hora estava fazendo algo que lhe dava prazer, o que explica tudo.

A sua cuidadora, Carmen, não era parente. 49 anos, gentil e simples, nos repetia que a velhinha não dava por que não dava trabalho, que comia bem igual todos da casa, as mesmas coisas. E que aquele quarto era por que ela queria estar ali. Após os exames, tanto do residente Filipe (clínica geral) e das fisios, ficou claro que a mocinha não estava tão ruim assim. Por mais que não conseguisse esticar as pernas bem e elas doessem, e seu sentar era tão corcunda que a deixava com o tronco desproporcionalmente pequeno; tinha solução. Lilian diagnosticou síndrome do imobilismo.

Três ou quatro anos antes, quando ela quebrou a bacia, começou a ficar cada vez mais na cama e, sem motivos físicos, parou de andar. Passava o dia inteiro lá, só saía para ir ao banheiro (carregada por Carmen ou seu marido, devia pesar no máximo 40 kg como uma criancinha enrugada). Acho que demais problemas decorrentes da condição de parada dela não cabem aqui. Uma senhora que ficou encamada de bobeira, triste e curioso. As meninas ensinaram alguns alongamentos, orientaram alimentação e limpeza da prótese (chapa, a popular dentadura) e seguimos.

Os próximos do dia foram uma senhora de idade muito avançada e um senhor encamado. Ana nasceu em 1913, e fez questão de mostrar para todos a certidão de nascimento – plastificada. O problema dela era bem simples, mas aproveitando a visita a fisio e a nutri também fizeram recomendações. Todos se divertiram com ela pois, quase cem anos, ficava brincando de jogar as pernas pro ar quando deitada na cama, quase alcançando a cabeça.

Enquanto isso, do lado de fora de sua minúscula casa – quase da zona rural, fogão a lenha, sem geladeira e esgoto da pia que dava para a hortinha no quintal, não achei o banheiro -, Priscilla da odonto conversava com duas meninhas vizinhas que tinham chegado da escola. Por costume, a aluna pediu para ver a boca delas, e mesmo com alguns dentes de leite, uma delas tinha perdido um molar – último dente da boca das crianças. “Banguela com oito anos”, repetia Priscilla, inconformada e didática. Ensinou-as a escovar os dentes com uma dentadura falsa enorme.

O último encamado foi deliberadamente o caso mais complicado. O homem era novo, caíra do cavalo anos atrás e quebrou o fêmur. Por falta de informação, não fez fisioterapia e cicatrizou errado. Suas pernas estavam deformadas, e não seria possível recuperar com fisioterapia, como com Maria. Quando o vi achei que tratava de um caso parecido de distrofia muscular por estar parado. Pela ausência de um procedimento muito simples esse homem não podia nem sentar mais. A única coisa que podia fazer naquele quarto era ouvir rádio (não que se tivesse uma TV sua vida seria melhor).

Mas o que mais incomodou todos era o fato de viver sozinho. Sua irmã cuidava dele, mas trabalhava a maior parte do dia. Ele passava os dias sozinhos naquela casa, não conhecia nem o quintal nem a cozinha – com geladeira! - nem a sala. Pela sua condição, foi fácil entender por que não fazia questão de se alimentar mesmo com comida disponível. Seu quarto cheirava mal, pois tinha de se virar sozinho em vários aspectos. Porém, seu abandono não era o pior concretizado naquele lugar: no quintal havia vários focos de dengue, pondo em risco ele e seus vizinhos.

Priscilla foi atendê-lo mesmo achando que as outras especialidades já tinham sido bem claras no diagnóstico. Mas se surpreendeu. Além de ter uma doença na gengiva por falta de limpeza, estava com guna. Me explicou que é quando um dente apodrece, e forma uma bola de pus na gengiva, para expulsar o corpo morto. A falta de cuidado era tanta que o dente chegou a ser expelido, ou seja, explodiu a bola de pus na boca dele. Ela disse que o deve ter sentido dores terríveis. Outro aspecto da guna é a baixíssima imunidade do paciente, mas ela não achou que se tratava de um aidético.

Dos pacientes da VD, apenas o último caso era cuidado por parente – a irmã. Os outros dois recebiam auxílio dos vizinhos. Isso dificilmente aconteceria em uma cidade maior, em bairros fora da periferia e favelas. Quem recebeu orientação para os cuidados com Ana – a de quase cem anos - foi sua vizinha, Geni, de meia idade.

Quanto à risonha dona Maria, Carmem que vai fazer os exercícios de fisioterapia junto. Mas foi o marido dela quem convidou a senhora para se juntar a eles, dez anos atrás – e antes dela quebrar a bacia. Carmem contou meio cantando brincando o quanto ela era travessa antes. Tinha aparecido no bairro trazendo pela mão um ceguinho, e pedia esmola com ele nas portas. Depois, recebeu convite de uma vizinha para ajudar a arrumar a casa, e abandonou o ceguinho pra ficar com outro. Esse último foi o que faleceu quando ela se juntou aos atuais cuidadores no boteco.

[Lia C S]

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

ato abstrato em algum pontinho colorido

Último feriado de novembro, volta. A ressaca é menor que o stress que deixamos na cidade. Não adianta, é só voltar para São Paulo que todo espírito de festa e descanso vai embora. O cinzento e o clima de chuva nos obriga insistentemente a não tirar da cabeça o que deixamos de fazer antes de ir embora - em uma vã felicidade de largar tudo. Falsa.

O dia da volta foi domingo, tinha viajado 4h direto na mesma posição no carro lotado. Minha aparência de quem dormiu 3 dias em barraca e tomou banho como pôde não era das melhores. E a toca de lã preta que enfiei na minha cabeça não era a mais bela já vista em cabeça de menina mas estava lá, e estava quente, e eu não iria tirá-la.

Essa era a imagem que eu tinha de mim naquela hora, honesta para as condições que enfrentei. Mas nunca saberei o que aquela mulher viu em mim. Nossa relação foi quase instantânea, quase longa demais, e quase tive saudades. Era uma dessas mulheres de metrô, que você nunca saca. Eu não faço a mínima idéia sobre as pessoas em metrôs em ônibus sim, mas quando elas estão nos trens subterrâneos se tornam um mistério.

[Talvez estações sejam mais distantes e abstratos que pontos nas ruas. A maioria das estações que não páro são pontinhos coloridos e a imagem das palavras de seu nome em minha cabeça. Os pontos tem cheiro, movimento e tudo que já está nas ruas. Ele faz parte do contexto, mais que as estações, que parecem mais enfiadas em qualquer lugar que estejam.]

Essa mulher entrou no trem em que eu estava, e escolheu dentre os locais vagos, um perto de mim. Eu não ía saber que era japonesa e que tinha sotaque se ela não tivesse puxado assunto me oferecendo uma rodela de pão com alho e óleo. Achei esquisito. Virei e encalhei seus olhos para me certificar de que realmente tinha alguém no metrô me oferecendo comida. Quando a mirei vi de relance que ela tinha acabado de enfiar um naco na boca, e me senti segura para encarar aquilo.

Eu não tinha fome, nem sou a maior fã de pão com alho e óleo. Mas o que eu queria experimentar era a gentileza. Testar aquela situação. Assim, mandei goela abaixo o desespero de confiar em outro ser humano que eu nunca vi. Talvez não tenha nada de estranho nisso. Mas para mim foi uma prova, e seja lá o que ela achou de mim, me senti satisfeita por mostrar a ela que confiava nela. Comi o pão, conversei gentilmente e quis que ela ficasse feliz de ter tido um feedback.

Não quis acompanhá-la no almoço, ía ser mais do que eu podia aguentar ela me pagar um rolinho primavera ou algo que o valha. Já estava bom demais ter saído na mesma estação e subido, juntas, as escadas para fora.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

novembro roxo extremidades azuis

alguma coisa deve ter mudado na água
ou uma coisa nova no ar
quando as pessoas dão para sonhar em massa.
passa-se o ano inteiro no marasmo de acordar limpinho sem nenhuma recordação das vivências do duplo
e de repente, em algumas épocas tipo novembro
[mês mágico de quase fim de ano, de correria, de desespero, de respirar antes da rajada violenta de vento na cara. se fosse eleger uma cor, seria roxo azulando em extremidades esse mês
o povo se põe a sonhar
é a fertilidade da noite que muda. como se o ano quisesse tirar o atraso de um abril, ou um agosto, monótonos.
e só faltava mesmo a minha persiana temperamental começar a se correlacionar com o contador de lembranças falsas. acontece que nesse mês ela não quer abrir, quer que o quarto fique escuro. me empurra para a cama, me faz refém dia inteiro da vontade de ficar lá e alimentá-la. como se eu não tivesse nada mais o que fazer fora cuidar dos caprichos de um parador de sol que se acha importante

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Obama

Muito bonita a festa americana, as lágrimas nos olhos, as bandeirinhas. É importante um jornal mostrar isso. Mas a cena mais dispensável que vi até agora, foi transmitida pela rede Globo agora a pouco, enquanto esperava ser atendida em uma clínica
"E agora, vamos ver como o mundo reagiu à eleição de Obama"
[Uma cena com negros dançando pulantes]
"Festa, dança e celebração no Kenia, vila natal do pai de Obama".
Estava uma verdadeira festa, com o perdão da palavra da jornalista. Mas foi uma cena tragicômica. Duvido que essa tribo vá mudar radicalmente com a eleição do democrata.
Eu não me lembro de ter lido ou sido noticiada sobre qualquer pauta do novo governo para a África. Não procurei também, mas é fato que o continente esquecido não vai receber muita ajuda se a crise americana continuar nos moldes atuais. E mesmo se estivesse bem, não basta a boa vontade de um homem, todas as esferas realmente poderosas estão cagando e andando para as tribos da vida.
Enfim, essa cena ilustra bem o desespero mundial. Essa esperança é comovente.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Meninas

-As meninas nascem sabendo dançar. Deve ser genético.
-Como assim?
-Sabe nas horas em que você jogava futebol? Então, enquanto você fazia isso elas dançavam.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

De casa

Manifesto Elefante


Um manifesto serve para chamar pessoas. Conclamar. Pode-se dizer assim? Bom, a idéia é escrever o mínimo de palavras para o máximo de resultados neurais que acabam em inflação, provocação. pois é isso mesmo que queremos, não? Que elas venham até nós, pois sabemos que não queremos nos perder no paradoxo do servir e da superioridade. Não podemos nos posicionar acima, com planos salvacionistas. É preciso tomar cuidado para o tom não ser esse, por mais que seja tênue a linha.


Bom, o manifesto obriga a interação. Ele precisa ser agressivo? Irônico? Brincar com a desilusão que acompanha a maioria dos jovens, ou seria essa uma descrença? Germinal de quem vê tudo acontecer devagar por aqui. O elefante da universidade é lento, com micro sinapses rapidíssimas. Em poucos anos de curso superior a população dessa Escola consome a Universidade. Compra-se um produto com impostos, mas o gastar aqui não é na mesma velocidade do repor, não é mesmo? Logo andamos em um local meio abandonado, meio com umas reformas, meio melhor do país, meio retrato infeliz de alguma das brasileidades.


Relação parasita é um termo agressivo? O que queremos dizer é que existe uma crise entre o individual e o coletivo. É difícil em um mundo que sobrevive de eu, atitudes isoladas e heróis, um nós harmônico. Como acontece coletivização se partimos do pressuposto individual? É preciso a morte dele. Então é esse é um manifesto pela morte do divisor. Uma vez que eu não existe, é impossível a retirada, o esvaziamento. Ao invés de sobrar orgulho sobra-se um corpo que trabalha. Que ao invés de se perder em intermináveis discussões que querem se transformar em inação, ensaia uma saída.


E nada nessa saída é parecido com hominídios a bordo de um zepelin que vaga sobre a Cidade Universitária. Seria um bom manifesto visual esse, não? Ou um com quadrinhos! Mas a idéia das pessoas retirantes acima da USP é fantástica, pode ser um balão mesmo. Elas falariam algo como, "nossa, que bosta". Seria bem irônico. Mas mesmo visual, acho que é importante conter o cerne da nossa postura. Que nós não somos isso, ou aquilo, mas que estamos. É importante todos entenderem isso. Anote aí. Dá pra fazer um desenho?

[primeira tentativa textual do Manifesto para a chapa Elefante, do Centro Acadêmico Lupe Cotrin, espalhado pela ECA]

domingo, 19 de outubro de 2008

Diálogo

-Para quem você está torcendo na crise econômica?
-Como assim, torcendo?- meio sem levar a sério o que vem depois
-Ahh, se as medidas do governo americano vão vingar, ou tudo vai pro buraco, inclusive a economia mundial. De modo que haja uma grande crise, que atingiria aqui também.
-Por que iria querer isso? É meio assustador pensar aqui o caos. Só o Katrina já levou uma cidade a enlouquecer, imagina o país inteiro! Tenho medo disso.
-Mas uma situação caótica faria o país mudar alguma coisa.
-Será que valeria a pena? Eu sou a favor de mudança mais inclinada ao que almejamos para acá. Mas não sei se o custo é válido. Por mais que eu queira que algo acontecesse nesses tempos que vivo, por outro lado não gostaria de ser estudada anos depois como participante de uma geração que passou um aperto muito grande.



Maldito conservadorismo estático. Nos faz temer a violência e o sofrimento ao invés de encará-los como coparticipantes no planeta. Como diz um amigo meu, que percebeu primeiro que o sofrimento não é algo tão terrível. É preciso deixar o medo de doer? Já é incômodo assim, talvez seja mentalidade desprezível lutar pela realidade que construímos.
Ou seria falta de gratidão e reconhecimento! Oh! O remorso, again! Da onde vem tudo isso?

Sempre disse por aí que, se houvesse uma crise, de tamanho tal em que não fizesse mais sentido o caminho que tomei até aqui, seria parteira. Mas dias atrás, quando conversei sobre a maior crise dos últimos tempos, não me deliciei com esse pensamento. Ao invés, causou em mim sensação de dever eminente, e quase acenti com a cabeça frente ao meu dever irreversível. Foram tantas as promessas.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Encontro

Cada uma defronte uma tela
dois locais distintos da cidade
Trocam palavras de solidão e se despendem com palávras táteis
beijo, abraço, cumprimento

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Pequena

Nunca se é homem enquanto não se encontra alguma coisa pela qual se estaria disposto a morrer


Eu li aquela frase e quis jogar uma resposta amargurada de quem não se sente muito bem, do tipo E o que é ser homem, ou ainda Parabéns! Homem e ainda por cima fanático.
Mas não fiz nada. Vozes de milhões de pessoas, espectros de milhões de horas de programação comprada me calaram, e segui derrotada
Por não acreditar nesse mito do grande feito grande acontecimento. No fim todas as vidas tem a mesma importância e servem para o mesmo propósito esquizofrênico.
Ando mais alguns passos e sinto vergonha por não ter um grande projeto, e ainda tropeçar nas coisas pequenas, como a simples adaptação.

As atividades a qual você se dedica tem ligação direta com as suas aptidões? Por que você se diverte fazendo certas coisas? E se você tem um talento escondido para outra completamente distinta?

E senti um arrepio do alto dos meus dezenove anos e vários centímetros em cima de um pé machucado, parte mais sincera de mim. Penso na família. O que é que tem afinal? O quê? Esquisito.

Já me pergunto para que servem as grávidas. Será que devemos respeitar alguém pelo simples fato de ser egoísta biologicamente? Ou eu que estou sendo egoísta pensando assim, de não querer dividir o planeta com egozitos dos pais. Não sou diferente de nenhum deles, e não me orgulho disso. É tão cliché nascer.

domingo, 5 de outubro de 2008

olha!

achei um motivo para os próximos minutos:

sólo estoy sólo y estoy buscando
es a alguien que me está esperando
que me entienda y si no me entiende
alguien que me comprende
alguien a alguien para recordar
de memoria cuando estoy de viaje
cuando estoy muy lejos y
soy un vagabundo y camino bastante
alrededor del mundo
pero quiero volver a mi casa
a alguna casa
para encontrar a esa princesa vampira
que respira
que respira y me mira

trecho de uma música bonita. La parte de adelante, de Andrés Calamaro.
é, eu sei, o que esse cara sabe afinal? mas serve por ora? mandem sugestões =)

sabe aqueles momentos

em que você não sabe se desiste de tudo, chora ou se acha algum motivo porco pra continuar? então.

você venceu: batata frita!

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Nota do dia

Palestra da Mostra Ecana de Cultura e Arte (MECA)

[Lívio Tragtnberg]
Tomem cuidado com marqueteiros. Essas ONGs que põem violino na mão de meninos pra fingir que ensinam cultura. Cultura não se ensina, cultura se tem. Chama-se cultura de aeroporto trazer alguém de fora pra fazer um puta show, e depois o cara vai embora. Violino é cultura em Salzburg: o pai e o avô do menino de cinco anos tocavam. Mas aqui é cultura de fachada, feita para ONGs se promoverem. Para instituições privadas se promoverem e falarem que estão fazendo um trabalho pra essa população. É o governo, por meio da educação, que tem que ensinar. Pois cultura tem a ver com o cotidiano das pessoas. Os projetos sociais uniformizarem as crianças é algo indigno, para fazê-las parecer limpas.
É preciso tomar muito cuidado com eles, principalmente os que tem a fachada impecável, politicamente corretos. É como um aluno meu disse em uma composição: nada de graça é de graça. Por isso, tomar cuidado com isso também, desconfie de tudo que é de graça: têm por trás os maiores interesses.

[Ferdinando Martins: adendo]
O Zé Celso quis por que quis levar Os Sertões para Canudos. Foram e fizeram um grande espetáculo, que mobilizou a cidade inteira. Além de quererem exibir para toda a cidade, tinham que exibir para o mundo inteiro, então ia ter transmissão pela internet. Eu fiquei da minha casa, aqui em São Paulo fazendo os links, e na época eu não sabia que para transmitir aquilo a cidade inteira ficou sem energia. E que só aquele espetáculo gastou o equivalente ao orçamento anual de Canudos. Isso é arte? Arte hoje em dia não muda, só reafirma valores. Para quem é essa arte da Oficina?

[Lívio Tragtnberg encerra]
Cuidado com as ilusões. Percam-nas o quanto antes, se eu tivesse noção do tamanho das ilusões em que me meti... leiam “Ilusões Perdidas”.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Nossos amigos, os transeuntes

Devemos valorizar todos aqueles que cruzam nosso caminho. As pessoas que pegam o mesmo ônibus que você, páram do seu lado no semáforo, estão no mesmo vagão de trem ou metrô. É enlouquecedor o tamanho da coincidência de cada um deles em cruzar com você. Um fenômeno realmente notável.

-Nossa! Uma pessoa!

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Toda a esperança do mundo

Eu sempre achei que os melhores momentos de se escrever eram os momentos de fossa. Sempre dizia que era quando ficamos mais sensíveis, e buscamos refúgio no ato de criar. Besteira. Sou sensível o tempo todo. Tenho um amigo que associa a fossa com a produção artística justificando que quando está feliz vai fazer outras coisas. Também não é assim que funciona comigo.
Eu sei lá quando tenho vontade de escrever. E tempos ruins não são necessariamente épocas de vacas gordas, cansei de estar mal e querer fazer nada. É difícil levantar da cama até quando temos compromisso. Como se o cotidiano fosse muito custoso e sem sentido, a verdade é que nessa época realmente não compensa levantar.
Então durmo de persiana arriada (daonde eu tirei essa palavra? nunca falo) para que o sol me incomode de manhã. E fico feliz com essa luz entrando, e quero levantar.
Hoje fiquei feliz com um pássaro que atravessava uma pista onde treino corrida. Em vez de dar a largada eu me sentei e fiquei olhando os olhos vermelhos e o jeito dele chacoalhar torta a cabeça, como se houvesse entrado água. Eu sorri em um dia que estava sendo bastante ruim. E pensei que tudo que é ruim era pequeno.
Pode ser que todo esse otimismo de coisas naturais (ah! a natureza) seja fruto de uma educação que recebi de uma penca de filmes e livros. Não nego. Mas aí tudo é educação, e tem coisas que nós só chutamos.
Não sei por que dos relacionamentos, já falei disso em outra oportunidade. Por que de outra pessoa. Não sei por que isso é tão natural e estranho ao mesmo tempo. Estranho como um cruzeiro. Eu não faço a mínima idéia de como se dirige um cruzeiro.
Quando pensei nisso na viagem de ônibus pra voltar pra casa eu fiquei calma. Em um dia notoriamente estressante com direito a sequelas físicas - o problema não era mais do distrito da alma.
Então eu quis me transformar em uma bola. Pegar os meus problemas e minha dor bastarda (segundo um amigo, a dor que eu sinto não é só minha, eu pego de outros e legitimizo) e encolher tudo num enrijecimento de membros e torcer de tronco. Iria me dobrar para frente e sair atropelando tudo o que é ruim. Não iria mais ficar triste, eu só iria me divertir se alguma coisa com penas ficasse no meu caminho e me fizesse cócegas.
E se eu não falasse mais nada e o deixasse livre para vir a mim quando se sentisse melhor? Não era mais questão se nós éramos um casal, e eu tinha de pensar em toda a complexidade que dois junto exige. Eu só queria que ele se sentisse bem e amado. Uma rosa? Eu poderia levar uma rosa e esperar ele sair de manhã no horário em que sai. Uma rosa é um pouco clichê, mas é bonita.
Alguma coisa, desde que estivesse escrito "toda a esperança do mundo".
Não que contivesse toda a esperança do mundo, mas toda que eu tenho no mundo, aonde eu moro.
Não esperança nele como partido, livre-me D-s dessa palavra horrorosa, ou em nós como instituição social. Mas esperança que vale a pena levantar. Uma rosa é bonita né? Principalmente com sol na cara? Não sei.
Esperança de que essa fase triste vai embora se olharmos pra coisas que realmente interessam.
O que realmente interessa?
E sei eu?
Bom.
Essa pena veio de longe. Não é só uma pena. Ela contém toda a esperança do mundo, e eu trago pra você.

[Se o autor dessa frase é a filha mais nova, americana, de uma geração inteira de mulheres chinesas que só sofreram antes e depois da imigração, acho que eu posso falar a mesma coisa e ter um pouco disso também]

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Tipos por aí

tipo forte
forte de maneira tal que tinha atitudes que faziam os outros desgostarem um pouco dele, mas não ligava pra isso e agia desgostosamente

tipo inseguro
tirava o corpo fora até quando não cabia corpo nenhum, num show alucinante e esquizo

tipo máquina
tipo, processava informações e repassava, e fazia novos cálculos e emitia e de novo. e não tinha paciência para palavras cujo sentido não estava escancarado

tipo móvel
andava

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Espanto

afinal de contas
ela não era tão genial assim.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Fim

Pronto. Estava feito.
Ele tinha sido apagado, e não iria mais incomodar.
Mesmo as coisas mais longas, quando são entendidas, ficam rápidas como contos de um minuto
Frio, inevitavelmente frio




Will you meet me in the middle, will you meet me in the air?
Will you love me just a little, just enough to show you care?
Well I tried to fake it, I dont mind sayin, I just cant make it

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Errado

Em aula de linguagem, proposta de análise de discursos, tocaram no ponto das publicidades. A professora lembrou de uma delas, que foi feita para a TV: Johnson & Johnson, cabelos cacheados, musiquinha que fica na cabeça. Segundo a mestra, os que têm cabelos assim se sentiam bem de ver aquela propaganda, afinal não é raro as propagandas de produtos para cabelos lisos afirmarem sua superior qualidade rechaçando características (?) dos outros tipos de cabelo; é preciso "domar", "disciplinar" e por aí vai.

Nesse momento, lembrei de um inimigo que tive nos tempos de escola. Ele estava deitado em uma passagem estreita, e eu queria passar por ali, pedi licença. Em resposta, atacou "ahh, vai ô do...cabelo rebelde!".

"Rebelde são suas pernas", respondi sem pensar. Ou melhor, pensei tempo suficiente para que meus olhos baixassem até suas pernas. Ele estava de shorts, e as cicatrizes de queimadura enrugantes - famosas na escola - estavam à mostra.

Ele ficou em silêncio, eu também. Ele me deixou passar, mas não foi aliviante cruzar a portinhola da glória babaca dos infames. Mais tarde minhas amigas me repreenderiam dizendo que era sacanagem. Nenhuma delas achou a defesa justa, por algum motivo, estava sedimentado na cabeça delas que ele tinha razão. Que as publicidades tinham, e elas estavam lá em maior ou menor nível de consciência - opto pela segunda.

Nesse dia me achei forte. É claro que força tem algo de cruel, mas gostei da minha ingenuidade de não saber porque é que seriam rebeldes meus cabelos. Não entendi essa palavra, rebeldes. Como se fosse algo errado.



No fim as coisas deram mais ou menos certo: acabei gostando do meu cabelo e, de mim, o tal das pernas.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Vamos ao teatro?



Publicidade ou intervenção? Nesses dias, quem vir andando até a ECA pela raia olímpica terá uma surpresa quando se aproximar dos fundos do prédio das artes cênicas. Pode ser que alguém acostumado às peraltices do pessoal das artes não dê tanta, mas é difícil não notar a bela estrutura retangular, delimitada por faixas de tecido negras, presas só na parte de cima dos 2,5 metros de comprimento - o resto é conduzido pelo vento.

Era bonito ver as faixas balançando no vazio da Paça do Relógio, no começo pensei se tratar de um objeto de intervenção. Se fosse só isso estaria bom: sorri sozinha entrando, saindo e observando a estrutura bela e curiosa. Tinha mudado meu dia e minha passagem pela Praça morna, estava ótimo. Mas não, certo momento tinha de notar uma inscrição feita em meio cilindro próximo:


Além de Cada Solidão
Sábado 21h
Domingo 20h
Retirar os ingressos 1h antes no Lab. ECA - USP



Sim, um espetáculo. Fim de semana, noite, Praça do Relógio, Cidade Universitária. Fiquei curiosa, imagino que, ao menos, seja assustador - a paisagem nas condições descritas já o é com ou sem montagem de tiras de tecidos!

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Vanitas Vanitatum


Andei visitando umas igrejas de Ouro Preto, e em não sei qual delas notei inscrições no chão de madeira e marcações, como se fossem portas. Me explicaram que era costume da época (as igrejas da antiga Villa Rica são do período Barroco, no caso século XVIII) enterrar os ricos dentro das igrejas, debaixo do piso.
Não inventaram isso por aqui, sempre fora costume na Europa, a diferença é que lá os pisos não costumavam ser de madeira, mas sim de mármore e outras pedras. Tanto que em agum ano a Coroa portuguesa proibiu o costume na colônia, por causa do mau cheiro que ficava no ambiente.
Imagino que, para efeito de ilustração, o cheiro de morte deveria ser muito eficiente. Não bastavam as pinturas e esculturas realistas que contavam os milagres, a crucificação, a redenção e finalmente o juízo final, a cada missa a pessoa se lembrava do portal para a próxima vida e não perdia tempo com as coisas vãs do mundo. Será?

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Cores


"...De decreto em decreto tenta-se vencer o preconceito e o abandono de brasileiros que, ao preservar sua memória e lutar pelos seus direitos, é um tipo de cidadão em extinção e com grande risco de desaparição. Se essa tiver de ocorrer, que aconteça para o bem, daqui a alguns anos. O suficiente para que não haja mais índios, brancos, amarelos, negros, vermelhos; mas sim uma coisa só e degrade, distinto em cores e jeitos como o azul, o verde ou o violeta".

Trecho de um texto que fala de cotas para indígenas nos vestibulares

segunda-feira, 28 de julho de 2008

das coisas que passam pela cabeça em um sopro

Ela não era o tipo que sentia a ervilha debaixo do colchão, e por isso não se importava com as raízes da grama incomodando suas costas. Grama não é coisa suja, que nem chão, afinal, depois é só bater e pronto. Ou deixar a grama seca grudar na roupa, nenhum problema.
Mas já que não se importava com as raízes, não pensava nas amiúdes que o ato inspirava, pensava sim era no nada cotidiano tão pesado. No que ia fazer da vida agora que as coisas pareciam estranhamente calmas. Tinha dezenas de assuntos para resolver, outro tanto para se dedicar, ah! A vida moderna agindo na sua consciência sempre obrigava-a a arranjar coisas para se dedicar. Milhões de atividades e necessidades para a formação, para a melhora da formação, e, finalmente e porque não, para se esquecer de tudo isso. Depois de pagar tanto para se informar e ser uma pessoa bem preparada, ela gastava mais um tanto para se livrar do stress. Precisava disso, de pagar para se livrar do mundo inteiro que carregava.
Crônicas dos tempos dos últimos anos.
Ah! O teatro!
Com as raízes nas costas empurrando, pedindo ar e liberdade (monstra), ela pensava mais nele do que no resto problemático. Não que o piá fosse a solução para tudo, era para várias coisas, e tinha algo de alegria diária. Ela sempre encarara a dependência de outrem como um flagelo, algo para não se desejar para si, mas conforme envelheceu algo percebeu que era bobeira, que sempre fora dependente. E agora passara para outro nível de auto-conhecimento ao chegar a pensar que o tal fazia algo de alegre no dia cheio dela. Fazia algum tempo, desde que ele tinha se entregado como posse, que ela se sentia estando feliz, e podia dizer Hoje estou feliz, estou bem.
Estranho.
A menina do dia cheio como a noite é de partículas escuras, que pagava para se sentir bem mas que abominava alimentar a alma com qualquer outra matéria que não fosse espiritual, se sentia perdida. Há quanto tempo estaria deitada? Estava quase escuro, então ela deu ar às plantas sufocadas - pobres - e seguiu seu caminho, algum deles, que poderia ou não ser o mesmo de um monte de gente, ao menos em alguns trechos.

*

Não devia ter medo de continuar andando. Esse temor revela nada mais que mesquinharia, que apego às coisas trouxas, que não prestam. Gostaria de poder virar e falar alto com toda uma autoridade que ninguém nunca me deu que é para você largar todas as suas roupas e seguir em frente. Em frente não, que besteira, se digo que existe frente é porque existe trás, existe uma linha um percurso natural. Não sei como era da onde você veio, guria, mas aqui não tem trás nem começo. Aqui você não segue o caminho. Você sim mexe as pernas e a terra que caminha por debaixo dos seus pés, ela que escolhe onde você vai pausar durante a noite. Por que você não é superior a ela, vocês estão no mesmo plano, consegue entender isso? Que é estupidez dizer que você caminha sobre as pedras, flores e arbustos como bem entende? Nunca foi assim aqui, e não é hoje que as coisas vão mudar. Se você não entende continue seguindo, não perca tempo falando comigo. Mas lembre-se da minha única recomendação, deixe suas roupas, duras como estão no corpo aqui, exatamente aqui, e não leve nada mais do que a sua humanidade mais bruta na sua viagem.
Eu perguntei porque você está viajando?
Exatamente, não quero saber. Até mais, e perdoe qualquer grosseria, algum dia depois desse você vai desguardar esse rancor que está nascendo agora.


E se foi a velha conhecida que nunca foi muito íntima mas que de vez em quando fala algo profundo. A primeira pessoa que o ser gênero feminino que estava deitado encontrou depois de dar ar às gramíneas outrora sufocadas.


*

A terra então caminhava sob seus pés, e os lagos e os oceanos, e ela não conseguia achar a resposta para a pergunta simples da sua dependência. O que eu sou para ele aparecia escrito nos peixes, nos talos ondulantes subintes das algas, pichado no lombo de porcos selvagens corendo.
E nesse momento ela não encontrou nenhum animal que tinha forma humana.

*

Sua angústia de não saber as coisas caía em gotas como suor dos seus braços, que se transformavam em pedrinhas pequenas e inofensivas e aumentavam até levarem tudo que estavam à sua frente como fazem as avalanches. Machucava mais gente do que seria justo.

*

Em um dos oceanos encontrou uma jangada que levava um homem velho o suficiente para saber muitas coisas. Então o homem feito - desfazendo - contou que tinha um filho aprisionado numa árvore grande no meio do mundo, e que só ela poderia salvá-lo. Só tinha que ser levada pelo vento sudoeste até a próxima terra. Chegando lá se juntaria à uma caravana de mercadores de peles que atravessaria o deserto em segurança, mas teria de ficar de olho nas formações rochosas, afinal, teria de escalar o penhasco mais alto para se encontrar com um pássaro enorme. Esse pássaro, que tinha o nome de Alepo, a levaria até o teto de um castelo de mármore e pedras preciosas em uma terra distante. Sua missão estava quase no fim: a árvore-cela do menino aprisionado ficava no jardim desse castelo, e o velho fez questão de deixar claro que ela não precisava se preocupar com achar a árvore certa, por algum motivo ela saberia - como deve ser.

*

Dito isso o velho mergulhou de ponta no mar em um salto que valeria dez em qualquer competição amadora e desapareceu entre as ondulações azul-escuro quase breu. Ela, assustada com a aparição repentina e sábia duvidou se deveria ajudar o velho, e decidiu que sim por não ter nada melhor para fazer. E um pouco de curiosidade ajudou também, e se acontecesse tudo exatamente como tinha sido ordenado? Certamente espantoso. Assim, esperou bater o vento sudoeste e fez uma vela com seus cabelos e foi empurrada até bater em uma terra.
Quase careca agonizou na praia até ouvir os tambores da caravana de peles que mais parecia trio elétrico se aproximando. Chamou a atenção deles com seu canto e explicou sua história para o líder, que providenciou um camelo, roupas da melhor grife e toda sorte de comida da região. Passou então, a atravessar o deserto em grande estilo e conforto, sempre atenta às montanhas, montes, morros e tudo que fosse descoberto de areia.

*

Quando avistou a maior das montanhas, que por azar ou providência - nunca saberemos -, era a mais pontiaguda, recortada e árida. Beijou o chão frente ao líder mercador, agradeceu e desejou belas noites para todas as futuras gerações e se foi em busca de Alepo. Demorou meses para alcançar o topo, não porque fosse tão difícil o caminho, mas mais porque era distraída perdia muito tempo apreciando as diferentes vistas conforme se subia a montanha. Sorria com os jogos de caleidoscópio que as alturas jogavam com os olhos, primeiro só o bege arenoso com transeuntes raros desenhando seus pés na areia, depois tudo era um borrão de areia, gente, cobras, lagartos e toda espécie de animais do deserto. Mais para cima a visão de baixo era arroxeada, não talvez pela falta de ar que ela sentia, mas quem sabe pelos pigmentos que constituíam a atmosfera daquela parte, daquela altura. E ficava cada vez mais bonito conforme se subia.
Mas uma hora ela subiu tanto que chegou no ninho do belo pássaro gigante, pulou em cima dele e, porque já estava escrito, Alepo a conduziu para o tal castelo. Agradeceu Alepo, mas quando esse alçava vôo, ela jogou uma pedra que o fez desmaiar, o matou e o comeu. Nunca mais outro chegaria até ali via Alepo, logicamente.

*

Não pensou que demoraria tanto para encontrar a árvore. Eram todas parecidas naquele jardim do tamanho de um país, e já que ela saberia quando seria a certa, não se preocupava em dispensar todas que via. Não, não, não. Demorou anos até que tivesse certeza, e nem precisou pensar muito quando chegou em cima de uma delas, que era igual às outras, mas tinha um anjo pousado em cima. Um anjo mal-educado que não respondeu a nenhuma intervenção dela. Com suas grandes unhas de anos sem cortar, ela cavou a casca, toda a matéria morta do belo castanheiro, a matéria viva, até que abriu uma cavidade e todo um óleo se derramou. Óleo que cheirava à almíscar mas era como placenta, pois sobreviveu nele o rapaz, que tossiu, vomitou, e respirou ar pela primeira vez depois de muito tempo trancafiado.

*

Ele era belo de tal modo que ela se sentia bem só de olhar para ele. Não se importou de carregá-lo nas costas durante uma longa jornada, também. Não tinha coragem de abandoná-lo com suas pernas bobas e músculos débeis de quem não se mexe há anos.

*

Você me faz feliz.

Ao dizer isso, o rapaz que na verdade era um príncipe, levantou foi-se, e nunca mais se viram. Foi-se como uma folha que quando morre voa longe.

*

Ela se entristeceu e desejou nunca ter levantado. Além de não achar respostas tinha agora de lidar com a dor da separação. Iria continuar até acabar no mesmo lugar de antes, mas quando lembrou de que talvez nunca voltasse chorou, e suas lágrimas se transformaram em uma bacia hidrográfica, de maneira que uma vez passou raspando um navio pirata. Ela se assustou com o quase atropelamento gritando, e quando viram uma mulher na beira do rio a convidaram para subir, por sorte estava acontecendo uma grande festa, onde ela se divertiu por dias, céus como eles tinham histórias para contar!

*

Ficou enjoada rápido de toda aquela algazarra. Se lembrou dele, do que tinha para fazer, dos mercadores, de Alepo e por fim do príncipe. Acontece que bem nesse momento o navio chegava à terras conhecidas por ela. Sim, decerto era a paisagem inicial, mas mais alagada devido à grande umidade dos últimos tempos.
Diferentemente de outras histórias que ela tinha tido notícia alguma vez, ao voltar para o seu local de origem não se sentia amadurecida. Para ela essa história de retorno ao antes não significou nada.

*

Cansou de pensar no que tinha de ser feito, e em tudo que deixou de ser feito na humanidade. Dormiu e se tornou grama.

terça-feira, 15 de julho de 2008

sábado, 5 de julho de 2008

Lua da Caçadora


Em cena a mulher travestida de matadora. A Matadora, como a chamam. Ela entra elegantemente com toda a sua força estampada no olhar feroz e passos firmes. Olhos que vão buscar o sangue que será derramado em pouco tempo, para o bem.

A multidão a aplaude calorosamente: ela é a estrela da morte, e com elegância espera a sua sina, se perdendo nas curvas do bordado dourado interminável dos seus trajes masculinos.

Nunca foi tão mulher, nem tão viril, como o é nesse dia em que escolherá mais uma vez entre a vida e a morte, na dança que seus passos precisos fazem de escapar e avançar no show de carnificina.

E aplaudem a atitude vã e a beleza rubra da dançarina que mistura terror e sensualidade em um único ato.

Não se preocupam, são felizes, não importa o resultado quando a heroína traz diversão. Ela certamente o trará, a Matadora, como a chamam.

domingo, 29 de junho de 2008

Nice trip!

Boa viagem, aproveita, você vai adorar lá.
E ía mesmo. O lugar era fantástico e ela não era boba.
Dito isso a abracei e saí pela rua de volta pra casa. Ela não era só uma das pessoas que converso na vida, era essencial. Daquelas que independem de qualquer humor. Sua ida não teria nada de traumático, é por pouco tempo, assim que me desse conta estaria de volta. Meus pensamentos se voltaram então para a época que ela deixou de ser mais uma.
Mesmo período, quatro anos antes. Eu tinha feito vários conhecidos no colégio novo, vários deles ganharam a minha simpatia, como sempre. Mas as férias tinham chegado, e não prometiam nada. Ía ser mais um daqueles períodos essenciais variando ócio extremo e jogos no computador, onde a vida tinha um objetivo fácil e traçado.
Lembro até hoje do shorts amarelo ridículo que estava usando quando ela tocou a campainha. Ele parecia de corrida mas era de malha, e apesar de extremamente curto não vestia direito, o que não me impediu de ir até o portão ver o que minha colega queria.
Não estava entendendo, eu não costumava receber visitas inesperadas de pessoas inesperadas. Ela era pra ser só mais uma colega que eu volto das férias e converso como se fôssemos muito íntimas. O que aconteceu para ela querer mudar as regras do jogo? Certamente gostava de mim, hoje penso mas na hora foi inconsciente minha alegria. Disse que estava lá para me "encher o saco", e realmente o fez, mas era mil vezes melhor do que ficar zerando fases. Ela voltou no outro dia, e eu fui até lá no outro. E foi assim.
O que pensei na rua foi como ela entrou para o hall de pessoas que entram para ficar. Isso é um detalhe importante, pois em 600 metros tracei um paralelo com a entrada de outras pessoas que ficaram. Elemento surpresa. De repente uma visita, é isso que quero dizer. Um não esperado gesto de humanidade. Visitas querem dizer eu-preciso-de-você, ou no mínimo reconhecem que é bom a companhia de outrem.
Não só visitas. Entrei em contato com alguns essenciais (sim, também houve iniciativas minhas, talvez duas ou três) que a princípio não teriam nenhuma ligação comigo, com alguma conversa pontual: só faria sentido naquela hora e de caráter inadiável. "Eu preciso falar isso".
Acho que esse tão pouco que fez tanta diferença (o que seria de mim sem os Imprescindíveis?) tem algo a ver com a autosuficiência velada apregoada por toda parte, debaixo dos panos. O que explica nossa geração tão sensível e retraída? Acredito que é bem comum a dificuldade em demonstrar-reconhecer-dizer que o outro é necessário.




À querida que vai como tantos outros o farão
e Aos Imprescindíveis que entraram esperadamente ou em choque

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Wiki























Sinal

Ontem tive uma experiência bem incomum na trajetória de casa até o trabalho. A luz do sol não estava apenas diferente, se fosse só isso não teria sido extraordinário. Mas você concorda que é algo extraordinário a luz do sol acompanhar o seu caminho. Entende? Conforme eu ía andando pela rua ela ía ensolarando, exatamente, te digo. E quando cheguei na frente do prédio aonde trabalho, havia duas pombinhas brancas. É difícil encontra-las desse jeito. Assim, branquinhas. Pra mim tudo isso foi um sinal muito claro: as coisas íam melhorar(...)

[trecho escutado em conversa de ônibus, fielmente escrito na medida em que é possível reproduzir uma conversa de ônibus]

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Nada




Você é lindona
agora
às vezes é esquisita, e anda esquisito
mas pelo menos nesses dias seu cabelo está ok.
quando ele está horrível você o esconde e distraí com seu rosto a multidão invisível que te dá notas.
e você odeia mais a si mesma do que qualquer um deles por não definir de uma vez que são apenas sombras espelhadas de sua alma - que também não existe
mas que se quebrou em vários incontáveis pedaços nesse jogo louco de automutilação

e você mantém a sua cara tentando segurar o peso do pó de mundo que gruda nele
e puxa sua pele lá em baixo.
você se esforça e deixa tudo no lugar pra ver se sua alma cola de uma vez.

Discórdia, porque não se vão?

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Nova era (primeiro de uma provável série enorme)

Agora não tem mais volta. Quem tem medo manda parar, quem é louco mergulha de cabeça. Atingimos, finalmente, o limiar há tanto esperado, ao menos por mim. As consequências são imensuráveis, mas se for pra chutar baixo, eu diria que tudo vai mudar.

E percebi isso assistindo a esse vídeo, por motivos variados que não explicitarei aqui.

De qualquer forma, é uma nova era que amanhece e deixa tudo o que conhecemos cheio de bolor.

[continua]

terça-feira, 17 de junho de 2008

Nu número dois: pedalando na Paulista

Fui vítima de uma armação

15/06/2008



Como assim eu fui o único nu? Foto: Outra Política

Quando paro para analisar os detalhes de tudo que ocorreu antes e durante a Bicicletada Pelada, que fazia parte do movimento World Naked Bike Ride, chego a seguinte constatação. Ocorreu uma armação covarde, por parte de algum oficial da PM. Esqueçam o que a "grande e podresosa mídia" escreveu, a maioria mentiu ou "esqueceu" de informa-los sobre o que aconteceu nesse 14 de junho.

Apesar do CicloBR ser uma criação minha, sempre procurei dedica-lo exclusivamente a bicicleta, mas hoje peço desculpas aos meus leitores, pois vou usa-la para apresentar a minha versão sobre os fatos que ocorreram no dia 14 de junho de 2008. O texto é longo, mas extremamente detalhista, inclusive, "dando nomes aos bois".

Antes do Dia Mundial sem Carro de 2007, a nossa maior Bicicletada havia ocorrido com 80 ciclistas no máximo, portanto nem chegávamos a incomodar a polícia. Mas depois do DMSC, quando fizemos uma enorme bicicletada com quase 400 ciclistas, finalmente as motos da Rocam apareceram. O resultado poderia ser trágico, mas se limitou a alguns ciclistas derrubados pelos motoqueiros, soldados sem nome na farda, tentativas de agressões a civis, isso tudo mesmo com a presença do Secretário Eduardo Jorge e da Vereadora Soninha, pedalando com a Massa.

Depois disso passaram-se 9 Bicicletadas e os policiais daquela região foram se acostumando com o pessoal, perceberam que a Bicicletada é um movimento pacífico e no final desistiram de fazer escolta para nós. Tanto é que nas Bicicletadas de 2008, em todas tivemos entre 150 a 250 ciclistas e em nenhuma tivemos escolta das motos da PM, no máximo uma viatura ao fundo observando a manifestação.

Depois que começamos a divulgar a data e local do evento, devido à repercussão criada pela própria mídia, já previmos que teríamos a participação de muitos ciclistas no WNBR. Não sabia que isso também iria influir dentro da PM chamando a atenção de muitos caciques para o encontro. Como o CicloBR era um dos divulgadores desse encontro, no dia 12 de junho recebi uma mensagem de um Capitão da PM chamado Rosendo, pedindo informações sobre trajeto, quem estava organizando, essas coisas.

Na mesma hora coloquei isso em discussão na Lista da Bicicletada, alguns disseram para eu nem responder, mas o trouxa aqui acreditou que havia realmente uma preocupação da PM em proteger os manifestantes. Como os policiais que costumam a cobrir nossos eventos já estavam acostumados conosco, dei uma resposta ao capitão, explicando que não havia uma organização, que eu era apenas mais um participante do encontro, mas iria colaborar com informações baseadas na minha experiência de participantes desses encontros e passeios ciclísticos pela cidade. Clique aqui para ler o texto completo do email. Notem que até sugeri no email para não mandarem motos e sim PMs de Bicicleta para escoltar o pessoal, o que chegou a ser feito.

No dia seguinte recebi um novo email, agora de um Major PM Wagner, agradecendo as informações, mas pedindo um telefone pois gostaria de conversar comigo pessoalmente. Mais uma vez o trouxa aqui fez o que me pediram, não consegui falar com esse Major Wagner, mas ficaram com meu telefone.

Chegou então o grande dia. Saí de casa apenas com a bermuda de ciclista, para ir entrando no clima e fui pedalando até a casa da Renata Falzoni. Lá eu tirei a bermuda e coloquei a minha "tanga" feita de capas de revista, fomos então pedalando até a Praça do Ciclista. Cheguei lá por volta das 11 horas da manhã, fui praticamente o primeiro ciclista a chegar. Logo mais alguns ciclistas foram chegando e fui me sentindo mais à vontade.

Tocou o telefone e era esse Major BENJAMIM FRANCISCO NETO, querendo falar comigo. Ele venho até a praça, me perguntou aquelas coisas básicas de quem esta organizando e coisa e tal. Dei a nossa resposta básica de que isso não existe, que é um movimento horizontal, sem lideres, blá, blá, blá. Deve ser muito difícil para um Militar compreender o que é um movimento horizontal, onde não existe hierarquia, um sistema auto-organizável, mas ele disse que havia compreendido e que estava lá para coibir abusos e para a nossa própria proteção.

Reforcei novamente que aquilo era um movimento horizontal, um espaço democrático, onde todos têm o direito de fazer o que quiserem, de se manifestarem como acharem melhor, e que ninguém tem poder para impedir alguém de participar. Aquilo era um encontro de pessoas que iriam sair para pedalar, só isso, sou apenas mais um dos participantes e ficaria muito feliz se ele prezasse pelo bom senso e o diálogo acima de tudo, já que era um movimento pacifista, que o nu era uma maneira de mostrar o quão somos frágeis nesse sistema viário e que não havia nenhuma conotação erótica. Isso sim ele me garantiu que iria fazer, que agiria com bom senso... Como sou tolinho, mal sabia que ele estava só esperando o momento para me pegar para Cristo.

Estranhei que mesmo assim, a todo o momento um policial vinha até a praça pedir informações para nós. Mas sempre pedindo o RG, hora para mim, hora para o ciclista ao lado, sempre soldados diferentes. Eu disse a um PM, "Já passei meu RG a outro policial" e um PM respondeu, "eu sei, mas tenho que anotar, são ordens, é que hoje temos aqui muito cacique pra pouco índio".

Eu estava sim com muita vontade de ficar totalmente nu, aliás é como eu me sinto todos os dias nessa cidade que só respeita o "motor". Seria uma maneira de protestar e chamar a atenção contra toda agressão gratuita que recebo diariamente. Mas não seria o primeiro de maneira nenhuma. Aliás estava rolando uma "combinação" de que depois que começasse o pedal, muitos começariam a tirar a roupa.

Durante a concentração a Praça logo ficou completamente lotada, havia muita mídia e muitos curiosos. Sabia que também havia a parte podre que só quer saber de confusão, aqueles que quanto pior melhor, mas esse era um risco calculado.

Havia muita gente mesmo na praça, quando começamos o aquecimento, sabemos que temos mais de 200 ciclistas quando, durante o aquecimento, aquele tradicional pedalada em volta da Praça do Ciclista, o começo da turma se encontra com o final fechando o cordão de ciclistas em torno da Praça. Mas desta fez foi diferente, não só fechamos esse anel como também rolou um "congestionamento de bicicletas" tomando todas as pistas da Paulista.

Saímos pedalando e garanto, havia no mínimo 500 ciclistas na Paulista, sei disso pois no Dia Sem Carro de 2007 chegamos a 350 ciclistas (contagem um a um) e conseguimos ao menos liberar duas pistas para os carros passarem, mas desta vez não teve como, a Massa ocupou as 4 vias da avenida. Um canal de "podrerosa" mídia chegou a dizer que haviam só 100 ciclistas. Sem comentários.

Logo na saída, a Renata Falzoni tirou o que faltava, bem em frente dos policiais. Isso estimulou a muitos fazerem o mesmo. Uma garota desceu da Bicicleta no meio da Paulista e tirou toda a sua roupa. Os peladões se multiplicaram, foi quando lembrei da conversa que eu tive com o Major, sobre aquela "promessa" que ele agiria com "bom senso". Realmente estava agindo já que eu não percebia nenhuma reação dos policias ao ver a galera pelada tomando conta da Paulista. Só agora eu percebo que essa era a isca, armaram para que eu me sentisse à vontade, estava tudo planejado.

Quando estava na altura do Masp, eu tirei minha tanga e fiquei como nasci, estava muito à vontade, pois não era o único mesmo, naquela altura, já haviam uns 50 pelados, no mínimo, foi quando comecei a perceber alguns tumultos no final do pelotão. Disseram-me que alguns policiais de moto abordavam ciclistas nus e os mandavam colocar a roupa. Fiz o mesmo, coloquei minha tanga e fui até o final para ver o que estava acontecendo e meu amigo Hugo me confirmou.

Mais à frente a Massa ficou mais compacta. O pessoal de dentro da massa começou a pedir aos pelados que andassem juntos no meio do grupo. Eu estava lá junto com eles e notei que os policiais não estavam mais mandando as pessoas colocarem a roupa, continuaram ignorando a gente. Foi quando caí na besteira de me juntar ao grupo, com a Tanga na mão fiquei pedalando no meio de uns 30 pelados, já que nem todos estavam agrupados.

A recepção do pessoal não poderia ser melhor, carros parados (como sempre) do outro lado da avenida com motoristas rindo, acenando, tirando fotos pelo celular, vi pais com seus filhos na calçada acenando aos peladões, pais com crianças pedalando no meio da massa, só havia manifestações de apoio, palmas. Pode ser até que alguém não achou legal aquilo, mas deve ter guardado para si. Aos gritos de "Quem gosta de bike buzina" os motoristas parados no trânsito do outro lado da via começavam um buzinaço.

No meio dos pelados, comecei a falar com a Renata Falzoni e comentando sobre a alegria que estava sendo aquele passeio, apesar dos contratempos até então, foi quando eu percebi uma viatura encostando, de onde saiu o Major BENJAMIM FRANCISCO NETO, com um monte de PM vindo em minha direção. Como estava com a Tanga na mão, na hora cobri minhas genitais. Mesmo tendo um monte de pelados a minha volta ele venho direto a mim, com um sorriso estampado no rosto dizendo, "Você esta preso" arrancando a minha tanga e me deixando completamente nu na paulista, sendo agarrado por um monte de policiais. Não acreditava que aquele inferno estava acontecendo.

Só então começou a cair a ficha, até então achava que não teriam coragem de prender um ciclista apenas, me sentia seguro rodeado de pelados, mas eles não queriam em nenhum momento prender todo mundo que tirasse a roupa, estavam esperando apenas o momento que eu tirasse. Por isso que ignoraram os primeiros pelados para que eu achasse que eles seriam civilizados e deixariam a manifestação acontecer naturalmente. Isso ficou claro quando a Renata que estava gravando a entrevista comigo disse, "Então me prende também!" e o Major disse "Você não!". Porque ela não? Porque senhor Major BENJAMIM FRANCISCO NETO?

Fui levado para a delegacia e no carro me deram um cobertor. Perguntei, "Porque só levaram um? Porque só havia um cobertor?". Claro que o Major poderia ter parado na frente de todo o grupo, conversado com o pessoal dizendo "Pronto pessoal, sabemos que é uma manifestação pacífica, vocês já conseguiram chamar a atenção, mas, por favor, vamos colocar as roupas, do contrário a gente terá que deter os que ficarem pelados".

Mas ele não queria isso, ele nunca esteve preocupado com a segurança dos participantes. Ele chegou na praça com um plano totalmente traçado. Ficou claro que eles queriam levar uma pessoa presa, só faltou definir quem e escolheram o alvo depois que o trouxa aqui respondeu aquele email. Desde então, tudo foi uma questão de estratégia e tempo para que eu caísse na armação e fosse detido. Não sei se eles tinham um plano B, mas se eu tivesse ficado o tempo inteiro com a Tanga, é bem provável que nada tivesse acontecido.

Por isso vou deixar aqui minhas acusações, o MAJOR BENJAMIM FRANCISCO NETO MENTIU. MENTIU quando disse que "fui o único a ficar nu", Mentiu quando disse a mim que iria agir com o bom senso. Mentiu quando disse que estava lá para nos proteger. Mentiu para a imprensa ou para quem quer que seja dizendo que eu era o organizador. Mentiu quando disse não toleraria alguém nu. Sim, porque ele tolerou todos os demais homens e mulheres nuas. Além de tudo foi covarde, pois ele poderia ter falado desde o começo que eu era o alvo, que ele não toleraria apenas a minha nudez. E pra fechar com chave de ouro, disse para a imprensa que a "Bicicleta é uma ARMA" e por isso foi necessário chutes no saco e Spray de Pimenta.


Foto: André Penner/ Associated Press: Imagem tirada dessa matéria do Estado de São Paulo

Quer saber o que realmente aconteceu, aguarde a matéria que a Renata Falzoni irá produzir para a ESPN Brasil. Se não tem tv a cabo, fique tranqüilo que gravarei e nessa mesma página irei disponibilizar o vídeo. Não acreditem em tudo que aparece aí, foram poucas as mídias que fizeram alguma uma cobertura séria sobre o evento.

Apesar de tudo, eu fiquei feliz com o resultado. Não pela repercussão falsa e mentirosa de grande parte da mídia. Mas pela grande adesão dos ciclistas, pois até ela ser estragada por esse major, havia sido a Bicicletada mais linda que participei, a reação do povo foi fantástica, mostra que ao contrário do que muitos falam, a grande maioria da nossa população sabe muito bem diferenciar um protesto pacífico de uma "baderna" como alguns infelizes colocaram.

Fiquei muito contente também quando lá de dentro da delegacia comecei a ouvir "O Delegado, libera o pelado", sei que aconteceria a mesma coisa se tivesse ocorrido com outro ciclista, mas isso mostra a essência de um movimento horizontal, sem lideranças, onde é "obrigação de todos cuidarem de todos", muito diferente do lema entre os motorizados onde impera o "Sai da frente pau veio".

Está aqui meu desabafo, não vou entrar com uma ação contra o Major mentiroso na corregedoria (se bem que eu poderia). Não quero mais papo com a PM. Apesar de ter visto que era nítido que a maioria dos PMs não concordavam com a truculência, eles não tem muito o que fazer. Nunca seria um PM, pois nunca aceitaria que me mandassem fazer algo que não achasse correto, jamais colocaria em risco a integridade física de pessoas inocentes como as fotos e imagens mostram.

Quem me conhece sabe muito bem como eu sou, prefiro confiar nas pessoas, jamais imagino que alguém que venha, de peito aberto, falar comigo, seja alguém que esteja tramando algo covarde contra mim. Meu erro foi acreditar que as pessoas são sérias até que me provem o contrário. O que esse major fez foi à coisa mais covarde que presenciei em toda a minha vida, lamento muito que a partir de hoje eu tenha que mudar meu modo de tratar as pessoas que chegam a mim, só por causa dessa atitude nefasta.

Embora seja muito difícil, vou tentar ser o mesmo, pois sendo assim foi que eu conheci pessoas maravilhosas, centenas, ou até mesmo milhares de amigos, consegui casar com uma mulher maravilhosa que me deu um filho lindo e que hoje esta sofrendo muito com toda essa situação. Como um carma que é viver com uma pessoa que não consegue se inconformar com injustiças, que gasta todo tempo livre que tem para tentar fazer algo pelo coletivo, sem nunca ter ganhado um real com tudo isso, a não ser respeito e consideração de inúmeros amigos(as). Obrigado a todos que me demonstraram apoio nesse momento muito difícil e peço perdão a aqueles estão sofrendo por minha causa.

André Pasqualini
andre@ciclobr.com.br



Fonte: http://www.ciclobr.com.br/diasemcarro/noticias38.asp

fotos da manifestação aqui

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Caetano Veloso

Fernanda Lima

Nx Zero.

também eu, quero ser capa nua da rolling stone

terça-feira, 27 de maio de 2008

Planos

-Não precisa ser saudosista - disse começando um longo discuros, acreditava, mas logo foi interrompida
-Eu sei, eu não sou.
-Eu aprendi que preciso aproveitar o momento, as pessoas, e o que já se foi eu lembro com carinho, mas não querendo que nunca acabe.
-Sim, sim. Sabe, eu estou empolgado pra essa nova fase começar
-Que fase nova é essa? - perguntou para o amigo que estava muito feliz saindo do velho emprego, e só sabia definir a simples e pura vida universitária como fantástica.
Então o amigo abriu o sorriso mais sincero dos últimos tempos e disse um "não sei" muito feliz.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Live from Dixie Pig

O pé direito enorme e o papel de parede aveludado faziam aquele lugar sussurrar tristemente tempos de glória e luxúria. Tempos que tinham ficado para trás assim como o bairro inteiro, que professava pateticamente uma cultura vanguardista que nunca existiu. A decadência sempre esteve nesse lugar, o veludo azul escuro nada mais era do que uma tentativa grãfina de quem sempre roeu ossos. Não, a idade e o bolor não poderia disfarçar seu reboco vagabundo.
E é nessa sala (mal) iluminada por uma única lâmpada sobressalente de um lustre de 10 delas, que conversam dois duplos. Têm formas humanas, mas são apenas projeções dos seus donos que dormem. A penumbra não é suficientemente densa para ocultar as rugas de um senhor(?) encurvado, que segura forçosamente um cachimbo quadrado entre os lábios. Elês estão conversando há algum tempo, mas é a partir desse trecho que pegamos algo:

-Porque realmente, devem ter acontecido bastantes mudanças com você tomando por base a nossa última conversa sobre relacionamentos e tal e coisa... - interroga a segunda figura. Essa tem desenho de mulher e fala dodecáfona, esganiçada.
-Você lembra o que eu pensava? - responde o velho, rápido demais para a idade que aparenta - Agora? Mas sim, aconteceram bastantes mudanças comigo, não posso negar
-Não acredito também no amor que dizem por aí, esse amor que as pessoas sentem
-Humm, é isso mesmo
-Mas com certeza é muito cedo pra falar essas coisas.
-Sim. Eu acredito que o amor é uma opção, uma escolha e continuo não acreditando no que antes critiquei. Se bem que - pausa - eu não acredito em nada, estou só tentando descobrir algo. Não sou mais tão enfático como antes ao negar coisa, estou mais.. ponderável - e dá uma baforada grudenta que se mistura com os outros vapores da sala, certamente provenientes da cozinha vizinha, daonde também vêm um cheiro agridoce de fazer os olhos chorarem.
-Entendi... Então não adianta eu perguntar o que vc espera de um relacionamento a dois, pq vc ainda não descobriu né?
-Descobri? Não, ainda não. Que pretensão, por Ds.
Mas porque eu preciso dele... ainda não. Eu sei que somos seres incompletos. e nossa única aspiração é atingir a completude. Mesmo que eu seja muito criticado pela visão dualista, claro que me critico, não consigo deixar de pensar que os humanos querem ser deuses, e apenas isso.
Eu sei que gosto dele.
-Certo. E isso basta
-Não, não basta.
Não basta gostar, é preciso um esforço gigante - gigante, repete - uma paciência do tamanho do mundo.
-Que complicado tudo aquilo que vc falou, Mestre.
-O fato é que, os humanos querem ser deuses.
Mas pra serem deuses, têm de ser completos.
Só que, ao afirmar isso, eu me baseio em uma dualidade, em uma concepção platônica de perfeição. E sempre me questiono, por que Platão?
Porque fui criado com concepções como "deus", "perfeito", "imperfeito" e assim por diante, sendo que essa é só mais uma visão de todas as que existem. - e dá uma pausa, como se finalmente a idade tivesse vindo com toda as suas dores. Quando voltar a falar, parecerá cansado. Até os duplos se cansam em suas brincadeiras noturnas de andar por aí - A questão é que, se por um acaso eu fosse de uma tribo indígena da américa do norte, eu poderia acreditar que eu sou parado no mundo, e as coisas passam através de mim, ao invés deu andar por aí. Ía acreditar que o mundo flui sob meus pés.
-Tá...só me explica o negócio dos humanos quererem ser deuses, que daí eu tento entender o raciocínio posterior - respondeu displiscente.
-Só porque eu nasci onde nasci é que eu penso assim, de maneira ocidental
os humanos querem poder, pequena.
Querem se sentir bem O TEMPO TODO
a filosofia busca isso
[a alegria
[o hedonismo
Você se sentir bem o tempo todo. Acho que isso vem muito de negar a solidão, e negando a solidão, você fica "cheio"
-Cheio de que?
-E é isso que buscamos em outra pessoa. Nos apoderar dela para compensar nossos defeitos e sermos mais "cheios". Buscamos as coisas boas dela para nos sentirmos bem todo o tempo
-Mestre, se me permite tal atrevimento, não acha que falar de toda a humanidade é uma tarefa grande demais? Por que não quero alguém para compensar meus defeitos, me apoderar das suas qualidades. Gosto de pensar que as coisas são mais sinestésicas do que filosóficas.
-Tudo bem expor sua opinião. Mas continue: sinestésicas? - e ri um riso cansado, já é totalmente velho.
-Sim, do que se sente... Algo como estou namorando por que gosto dele, gosto de estar com ele, escolhi estar com ele. Para mim essa linha da raciocínio é super redondinha, se fecha completamente.
-Cuidado com fechamentos, caro. Eu escolhi estar com ele - como pode ser redondo algo assim? É totalmente aberto! Uma flecha que percorre o universo, isso é. Vá agora, há outros mundo além deste.

É o fim do falação. Eles vão ficar aí um pouco mais. Até chegar a hora de se dirigirem ao ambiente vizinho, daonde vêm a fumaça agridoce. Aonde se juntarão à mesa com outros duplos, para um banquete onde serão servidas carnes de todos os tipos, para sua felicidade.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Someone saved my life tonight

Tento fechar meus ouvidos ou desviar meus olhos para tentar passar sem essas bobeiras que se tornam bobeiras enormes quando se tem a paciência curta
ou a razão firme
ou coisa que o valha.
Não é nada firme, percebo, é apenas um cansaço. Uma intolerância não estúpida - ou a mais estúpida de todas
que é a de se olhar pra cima para não ter de olhar o terreno curvo e cacofônico que
pedregulhoso sangra os pés.
O caminho me leva até o supermercado
[vejo absorventes masculinos]
sinto cheiro de peixe
e penso que quero um chocolate.
Que engano, nem chocolates eu quero
Gastaria com qualquer coisa agora mas não
eu não quero nada.
Nem deitar e dormir, nem voar, nem ser raptada pelo flautista de hamelin.

Sinto uma vontade enorme de falar o que eu penso
e vontade de uma liberdade enorme de saber que meus pensamentos não vão até a altura que as asas deltas vão
elas ficam paradas no ar até que alguém tenha paciência de ouvi-las ou apagá-las com a mão grudenta de não-querer
ou então elas despencam dos meus lábios costurados rumo ao chão
[pedregoso de sangra-pé]

então finalmente vem a libertação
e eu choro e me pergunto porque é que as coisas vão embora.
a libertação de saber que você é dispensável da mesma maneira que os transeuntes que têm a sorte de cruzar com você
[bem no momento em que você passa na calçada. Bem do seu lado.

e como quem quer provocar, surge bem diante de mim o momento de cruzar ruas.
é tudo o que eu quero, atravessar para chegar na minha casa. Estou cansada e com compras nas mãos (nada que eu queira, e que engulo sem vontade). E logo que eu precisava, o cruzar ruas. Só tenho de atravessar e estará tudo bem, conforme é.

[Quase]
passou perto como casca na ervilha, mas escapei dessa vez. Segui reto na avenida.



I have no home
The jungle is my home
Pull the string!
Pull the string!

Caso 465: A festa de Madame Camargo

Champagne, garçons, decoração, convidados: tudo parecia estar em ordem na mansão, e esta seria outra festa de sucesso da famosa artista. Estavam presentes políticos eminentes como monsieur Kassab, atores de todas as estirpes incluindo mademoiselles Antonelli, Ambrósio e Gonçalves - suas amigas de maior confiança -; além celebridades dos quatro cantos da cidade e de alguns países longíquos e vizinhos, d'O Pensador ao Dalai Lama. O prefeito de Nova York foi o último a chegar, mas certamente não chamou tanta atenção quanto monsieur Miklos, que parecia ter bebido além da conta e foi visto sendo inconveniente diversas vezes com Ambrósio, tirando o bom humor da beldade desde o começo do evento.
No dia seguinte, o detetive Holmes é chamado às presas pelo delegado do escritório central da Scotland Yard: após a festa, Madame Camargo notou o desaparecimento de caríssimas jóias e está muito preocupada.

Descubra
a) Quem foi o malfeitor
b) Qual meio de transporte ele utilizou para chegar até à mansão de Madame Camargo
c) Por que o prefeito de Nova York estava lá

Apresse-se! O jogo já começou!

[para Júlia]
[quem quiser saber mais]

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Opressor [nosso de cada dia]

Ele queria ficar sozinho mas soube por falação que a liberdade só existe quando tem o outro.
Porque ela nasceu da tirania.

Assim como do fraticídio surgiu a fraternidade
e da guerra a paz

domingo, 4 de maio de 2008

The não-word

Alguém já ouviu falar do cara que foi pro mundo oposto e se perdeu? O mundo oposto, digo, aquele dos nãos: não ditos, não feitos, não telefonados, não respondidos, não olhados, não lembrados... é infinito, e por isso mesmo é um mundo inteiro. Mas tem um detalhe assustador em tudo isso: se você acha esse mundo grande é porque não viu o mundo oposto. Imagine tudo que existe nesse mundo, todas as coisas que foram feitas, decisões tomadas, coisas construídas, caminhos escolhidos. Para cada e-mail escrito existe pelo menos dois não escritos. Para cada carta enviada existem dez não enviadas. Para cada copo de água engolido existem 20 não engolidos, e isso é mais que exponencial, é imensurável. E pra você que achava que esses copos não engolidos se dissipavam no ar como palavrões, saiba que existe um lugar feito do não-feito daqui. Acho que todos já entenderam porque esse outro lugar é bem maior, não? E porque nosso amigo do conto antigo não voltou para casa ainda: são poucos e bravos [e suicidas] os que se aventuram em conhecer o não conhecido.



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Desde sempre vivemos do não-dito, do não-olhar. E assim crescemos, e ficamos amigos pelas nossas não-intenções de aproximação e descobrimento. É claro que nos enxergávamos como uma selva, e disfarçávamos nossos olhos ávidos e gestos ímpetos, amparados pelo nosso orgulho - pai dos nãos que eram tudo o que tínhamos -, comíamos da mesa farta da não-abundância, em tantos não-encontros que tivemos.
Não sei se nosso abraço foi conseqüência natural, reverberação dos milhões de não-abraços dados, ou se foi flagra do nosso orgulho. Não sei se tudo o que existe é tão pobre perto do que deixamos de fazer, e essa bolha enorme de deixar de fazer e/ou atos deixados para posterior está crescendo pesada, e me engolindo. Esmagando-me com toda a culpa acumulada nessa história de cristã imunda pelo não-pecado.



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O que sobra de nós, disse ela jogando como azeite a frase filosófica que correu garganta abaixo de todos no grupo que conversava coisas sérias inusitadamente. Até hoje não sei a resposta, mas tenho certeza que, o que quer que sobre, querida, sobra bem mais no mundo oposto. Está gravando? Não? Escreve então, minha linda, que é a última de hoje.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Metalinguagem cotidiana ou à procura de identidade blogueriana


Esse blog não passou por fases suficientes para eu ter preferido alguma delas. Mas não ligaria também se ele fosse experimentação até o fim. Blogs não precisam ter linha, eles são razoavelmente livres para se postar o que der na telha, mas é fato que às vezes pensamos sobre o que se é postado.

Antes de resolver fazer jornalismo, eu lia jornal e outras coisas, e sempre queria comentar com meus amigos, fazer um desenho a respeito, me expressar de algum modo em relação às coisas bizarras que aconteciam. Esse blog surgiu para que eu pudesse me posicionar em relação a todas as outras coisas, mas vários motivos me levaram a abandonar essa função que, por tabela, seria informativa, onde colocaria meus amigos/leitores(?) a par de coisas que julgava importante. Função um pouco pretensiosa, como fui percebendo.

Objetivando essa função, postava impressões a cerca de coisas horríveis e maravilhosas que me tinham tocado em algum sentido. Mas sempre ouvia críticas que diziam que meu blog estava ficando "chato" - me importo mais com críticas do que deveria, mas isso é outra história -, ou, segundo crenças pessoais, não via sentido em dizer tais coisas. Crenças pessoais subentende-se reflexão sobre o jornalismo em si: é fato que minha anaforia crescente tem relação com alguma desilusão,
[desilusão talvez seja palavra muito forte, é preciso algo menos impactante, que mostre como a função informacional foi se tornando cada vez menos interessante, inútil, a ponto de ser desprezível...]
desimportância.

A desimportância social no jornalismo tem a ver com o seu jeito esquizofrênico, mantendo-se sempre alinhado aos interesses dos grupos aos quais interessa a estaticidade do país em quase todos os sentidos, e como instrumento da manteneção da ordem vigente... Coisas realmente odiosas e tristes. Um meio cruel onde não importa o que é veículado (nunca teve importância), que nunca mudou nada. Ao contrário.

É claro que não se trata apenas de jornalismo, mas sim de toda produção cultural. "Você quer acabar com a fome fazendo um documentário?", disse em tom de rir-para-não-chorar, o documentarista João Moreira Salles, na primeira palestra que vi quando entre na faculdade. Toda a função do documentário é para com ele mesmo, toda a novidade. É uma pretensão babaca querer mudar alguma coisa por meios indiretos. Claro que isso não tira a beleza de uma bela obra, não a desmerece - só um pouco. A mesma coisa a música, as instalações artísticas: nenhuma faz diferença nenhuma.

[Enquanto escrevo isso ouço muitas vozes que me vêm à lembrança, para buscar uma imparcialidade de merda - porque em nenhum momento acreditei em imparcialidade, e qualquer busca por ela é nociva - mas vou dar forma à algumas dessas vozes de algum jeito, nesse grande parênteses/chaves?:
*Mesmo que não tenha mudado o mundo, o rock dos anos sessenta mudou muitas mentes, que fizeram a revolução sexual, algo muito significativo. Se não fosse pelo rock aquelas mentes não teriam feito o que fizeram, e o mundo não teria trilhado o caminho pelo qual trilhou
adaptação de trecho do livro Cibercultura, de Piérre Lévy, entusiasta tecnológico (já ouviram falar de anarquia digital, o futuro político? Haha, nessa altura do campeonato nenhuma teoria é inviável, estou aberta a ouvir atentamente qualquer coisa, bring it on, baby)
*-Eu sei que não muda nada, mas se minha música deixar alguém alegre depois do trabalho, já é um motivo para eu continuar fazendo-as.
-Mesmo que isso ajude-os a serem mais explorados estando de boas condições psíquicas?
-Sim. Não vou abrir mão de fazer músicas que julgo belas...
trecho adaptado de conversa com um amigo músico mais-bossa-nova-que-cinema-novo - como costumava provocá-lo
*Jornalismo é só mais uma profissão. Todas as que existem tem o mesmo dever, de buscar uma vida melhor para a humanidade, elas não se diferenciam nesse quesito. Se quiser essa palavra, muito bem, use-a. Luta. Todos devem lutar para que todos os homens tenham condições básicas de dignidade.
brainstorm adaptado
*Quem disse que os nossos atos não tem validade? Eles têm. O que acontece é que, desde que você se entende por gente, tudo conspira para que você acredite que não pode fazer nada, que seus esforços são inúteis no mundo. E é com essa técnica, de fabricar uma geração desiludida e inerte, que eles continuam no controle. Se ninguém acreditar que pode fazer algo, ninguem vai fazer, e as coisas continuarão do mesmo jeito.
adaptação de bate papo com amigo militante e muito corajoso
*Existe eles? O controle desse mundo é de alguns ou de todos?
brainstorm adaptado
*Será meu desânimo fruto de mensagens subliminares ou discursos diretos/indiretos que pregaram minha fraqueza?
brainstorm adaptado
*Não importam os resultados
se dará certo, se é ilusão
se outros já tentaram, se é inédito
nada disso importa se não a luta, o único caminho é o da ação. Dever de todo homem desde o momento em que nasceu. Assim, não importa a forma escolhida, tudo o que deve fazer é algo, e toda inativez é vergonhosa.
interpretação pessoal de escritos samurais]

A par de tudo isso, comecei a postar entretenimento. Coisas leves ou não, que apenas tentassem divertir quem entrasse - era a única coisa que poderia fazer. Para que encher o saco escrevendo coisas inúteis? E acreditava que, através do que postava nas coisas inúteis ou leve, estava subentendido toda a minha tristeza em relação as coisas que se passam. Porque eu continuo sendo essa pessoa que toma conhecimento de algumas coisas, que se emociona com elas, só não sou evidente em relação à isso. Não preciso escrever longamente sobre a injustiça com o tibet/palestinos/camponeses/mulheres/cubanos. Os leitores desse blog sabem o que se passa no mundo, eu também, aqui é somente um respiro através de um galho, em meio à tudo.
Aqui é um silêncio no oceano informacional,
onde por meio de histórias sem sentido ou personalistas,
fazemos nosso luto ou nosso louco júbilo
brindando o universo ao mergulharmos nele.



A busca por um sentido do blog se confunde com a minha. E hoje eu só vou contar uma história bonita em memória de toda a desgraça ou graça nos pequenos, nas pequenas coisas.
[Um amigo meu disse ser contra as pessoas melancólicas pois elas são burras de não ver que existem tantas coisas boas. Eu concordo às vezes, amigo querido, e me esforço para nunca perder de vista as coisas que valem a pena.]

A revolução do amor

adaptada de bate papo

Disse que era contra os colegas "revolucionários-clichês-marxistas-x-istas".
-Não acha importante o movimento estudantil? - perguntei - Eles tentam fazer alguma coisa para parar com o desrespeito...
-Acho que os meios são atrasados. E a ideologia. Não dá mais pra não fazer releituras modernas desses teóricos pais da esquerda. Não daria certo, é preciso achar outro caminho mais conivente com o contexto atual.
-Concordo em parte, mas o que acha que daria certo? As ONGs? - tentei inutilmente provocar
-Sim, porque não?
-Por que, apesar de não existirem só ONGs picaretas, elas tentam fazer algo dentro do sistema, dentro das leis de funcionamento vigentes. E isso, querendo ou não, é abaixar a cabeça para o que acontece. É como se fosse um jeito de intervenção muito humilhate, conivente com a situação. Uma luta calada.
-Mas me diz, se todos fizessem trabalho voluntário, e cada pessoa que existisse fosse assistida de algum modo, o que aconteceria?



Pensei que ele era um louco que nem os que tentam mudar no cerne. Mas não deixa de ser uma história bonita.

[Não há nenhuma conclusão nesse post, mas sim milhões de aberturas bem vindas e discutíveis]