quarta-feira, 26 de novembro de 2008

ato abstrato em algum pontinho colorido

Último feriado de novembro, volta. A ressaca é menor que o stress que deixamos na cidade. Não adianta, é só voltar para São Paulo que todo espírito de festa e descanso vai embora. O cinzento e o clima de chuva nos obriga insistentemente a não tirar da cabeça o que deixamos de fazer antes de ir embora - em uma vã felicidade de largar tudo. Falsa.

O dia da volta foi domingo, tinha viajado 4h direto na mesma posição no carro lotado. Minha aparência de quem dormiu 3 dias em barraca e tomou banho como pôde não era das melhores. E a toca de lã preta que enfiei na minha cabeça não era a mais bela já vista em cabeça de menina mas estava lá, e estava quente, e eu não iria tirá-la.

Essa era a imagem que eu tinha de mim naquela hora, honesta para as condições que enfrentei. Mas nunca saberei o que aquela mulher viu em mim. Nossa relação foi quase instantânea, quase longa demais, e quase tive saudades. Era uma dessas mulheres de metrô, que você nunca saca. Eu não faço a mínima idéia sobre as pessoas em metrôs em ônibus sim, mas quando elas estão nos trens subterrâneos se tornam um mistério.

[Talvez estações sejam mais distantes e abstratos que pontos nas ruas. A maioria das estações que não páro são pontinhos coloridos e a imagem das palavras de seu nome em minha cabeça. Os pontos tem cheiro, movimento e tudo que já está nas ruas. Ele faz parte do contexto, mais que as estações, que parecem mais enfiadas em qualquer lugar que estejam.]

Essa mulher entrou no trem em que eu estava, e escolheu dentre os locais vagos, um perto de mim. Eu não ía saber que era japonesa e que tinha sotaque se ela não tivesse puxado assunto me oferecendo uma rodela de pão com alho e óleo. Achei esquisito. Virei e encalhei seus olhos para me certificar de que realmente tinha alguém no metrô me oferecendo comida. Quando a mirei vi de relance que ela tinha acabado de enfiar um naco na boca, e me senti segura para encarar aquilo.

Eu não tinha fome, nem sou a maior fã de pão com alho e óleo. Mas o que eu queria experimentar era a gentileza. Testar aquela situação. Assim, mandei goela abaixo o desespero de confiar em outro ser humano que eu nunca vi. Talvez não tenha nada de estranho nisso. Mas para mim foi uma prova, e seja lá o que ela achou de mim, me senti satisfeita por mostrar a ela que confiava nela. Comi o pão, conversei gentilmente e quis que ela ficasse feliz de ter tido um feedback.

Não quis acompanhá-la no almoço, ía ser mais do que eu podia aguentar ela me pagar um rolinho primavera ou algo que o valha. Já estava bom demais ter saído na mesma estação e subido, juntas, as escadas para fora.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

novembro roxo extremidades azuis

alguma coisa deve ter mudado na água
ou uma coisa nova no ar
quando as pessoas dão para sonhar em massa.
passa-se o ano inteiro no marasmo de acordar limpinho sem nenhuma recordação das vivências do duplo
e de repente, em algumas épocas tipo novembro
[mês mágico de quase fim de ano, de correria, de desespero, de respirar antes da rajada violenta de vento na cara. se fosse eleger uma cor, seria roxo azulando em extremidades esse mês
o povo se põe a sonhar
é a fertilidade da noite que muda. como se o ano quisesse tirar o atraso de um abril, ou um agosto, monótonos.
e só faltava mesmo a minha persiana temperamental começar a se correlacionar com o contador de lembranças falsas. acontece que nesse mês ela não quer abrir, quer que o quarto fique escuro. me empurra para a cama, me faz refém dia inteiro da vontade de ficar lá e alimentá-la. como se eu não tivesse nada mais o que fazer fora cuidar dos caprichos de um parador de sol que se acha importante

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Obama

Muito bonita a festa americana, as lágrimas nos olhos, as bandeirinhas. É importante um jornal mostrar isso. Mas a cena mais dispensável que vi até agora, foi transmitida pela rede Globo agora a pouco, enquanto esperava ser atendida em uma clínica
"E agora, vamos ver como o mundo reagiu à eleição de Obama"
[Uma cena com negros dançando pulantes]
"Festa, dança e celebração no Kenia, vila natal do pai de Obama".
Estava uma verdadeira festa, com o perdão da palavra da jornalista. Mas foi uma cena tragicômica. Duvido que essa tribo vá mudar radicalmente com a eleição do democrata.
Eu não me lembro de ter lido ou sido noticiada sobre qualquer pauta do novo governo para a África. Não procurei também, mas é fato que o continente esquecido não vai receber muita ajuda se a crise americana continuar nos moldes atuais. E mesmo se estivesse bem, não basta a boa vontade de um homem, todas as esferas realmente poderosas estão cagando e andando para as tribos da vida.
Enfim, essa cena ilustra bem o desespero mundial. Essa esperança é comovente.