quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Toda a esperança do mundo

Eu sempre achei que os melhores momentos de se escrever eram os momentos de fossa. Sempre dizia que era quando ficamos mais sensíveis, e buscamos refúgio no ato de criar. Besteira. Sou sensível o tempo todo. Tenho um amigo que associa a fossa com a produção artística justificando que quando está feliz vai fazer outras coisas. Também não é assim que funciona comigo.
Eu sei lá quando tenho vontade de escrever. E tempos ruins não são necessariamente épocas de vacas gordas, cansei de estar mal e querer fazer nada. É difícil levantar da cama até quando temos compromisso. Como se o cotidiano fosse muito custoso e sem sentido, a verdade é que nessa época realmente não compensa levantar.
Então durmo de persiana arriada (daonde eu tirei essa palavra? nunca falo) para que o sol me incomode de manhã. E fico feliz com essa luz entrando, e quero levantar.
Hoje fiquei feliz com um pássaro que atravessava uma pista onde treino corrida. Em vez de dar a largada eu me sentei e fiquei olhando os olhos vermelhos e o jeito dele chacoalhar torta a cabeça, como se houvesse entrado água. Eu sorri em um dia que estava sendo bastante ruim. E pensei que tudo que é ruim era pequeno.
Pode ser que todo esse otimismo de coisas naturais (ah! a natureza) seja fruto de uma educação que recebi de uma penca de filmes e livros. Não nego. Mas aí tudo é educação, e tem coisas que nós só chutamos.
Não sei por que dos relacionamentos, já falei disso em outra oportunidade. Por que de outra pessoa. Não sei por que isso é tão natural e estranho ao mesmo tempo. Estranho como um cruzeiro. Eu não faço a mínima idéia de como se dirige um cruzeiro.
Quando pensei nisso na viagem de ônibus pra voltar pra casa eu fiquei calma. Em um dia notoriamente estressante com direito a sequelas físicas - o problema não era mais do distrito da alma.
Então eu quis me transformar em uma bola. Pegar os meus problemas e minha dor bastarda (segundo um amigo, a dor que eu sinto não é só minha, eu pego de outros e legitimizo) e encolher tudo num enrijecimento de membros e torcer de tronco. Iria me dobrar para frente e sair atropelando tudo o que é ruim. Não iria mais ficar triste, eu só iria me divertir se alguma coisa com penas ficasse no meu caminho e me fizesse cócegas.
E se eu não falasse mais nada e o deixasse livre para vir a mim quando se sentisse melhor? Não era mais questão se nós éramos um casal, e eu tinha de pensar em toda a complexidade que dois junto exige. Eu só queria que ele se sentisse bem e amado. Uma rosa? Eu poderia levar uma rosa e esperar ele sair de manhã no horário em que sai. Uma rosa é um pouco clichê, mas é bonita.
Alguma coisa, desde que estivesse escrito "toda a esperança do mundo".
Não que contivesse toda a esperança do mundo, mas toda que eu tenho no mundo, aonde eu moro.
Não esperança nele como partido, livre-me D-s dessa palavra horrorosa, ou em nós como instituição social. Mas esperança que vale a pena levantar. Uma rosa é bonita né? Principalmente com sol na cara? Não sei.
Esperança de que essa fase triste vai embora se olharmos pra coisas que realmente interessam.
O que realmente interessa?
E sei eu?
Bom.
Essa pena veio de longe. Não é só uma pena. Ela contém toda a esperança do mundo, e eu trago pra você.

[Se o autor dessa frase é a filha mais nova, americana, de uma geração inteira de mulheres chinesas que só sofreram antes e depois da imigração, acho que eu posso falar a mesma coisa e ter um pouco disso também]

6 comentários:

Unknown disse...

<3
um mundo de esperança o.O
e sou eternamente grato
meu bem-te-vi

RRRR disse...

Lia, duas coisas. Primeiro, não importa que não tenha um mundo de esperanças ou o seu mundo de esperanças na rosa. Basta que você diga que lá está um mundo de esperanças. E acredite, mesmo que um pouquinho só, nisso.
E segundo, você sabe, os gnomos que seguem os casais e amarram pesos neles o fazem pro nosso bem. Vendo os pesos, a gente começa a perceber o outro, ao contrário de antes, com a leveza, em que só percebíamos o a gente. E só vamos fazer a escolha certa mesmo quando esses três seres não se autodestruirem.

Danilo Bueno disse...

Livre-nos desta palavra horrorosa "partido".
Vê-se bem que nenhum deles presta nesta eleição!!!

Eu não consigo te imaginar Lia, como uma instituição social. Na verdade as imagens bucólicas como a do seu texto, os passarinhos, as rosas e a luz so sol matutino me te fazem associar mais a uma escola literária....

Lia Lupilo disse...

sim!
apesar de abominável eu sempre me volto pra essa justa escola aí =]
eu sou uma perdida

Pedro Sibahi disse...

Totalmente literária.. já que ama uma coisa subjetivadazinha né!? hehe

Ai que sono, senão comentatava com mais profundidade.. é que estou na atividade desde quinta anoite (sem muita cachaça, prometo!) Qnd acordar dessde sonho estranho contato-lhe novamente!

Anônimo disse...

A parte que você diz do "otimismo de coisas naturais" me lembrou muito aquele livro "Na natureza selvagem", que é totalmente sobre isso. Parabéns, reverter as situações adversas admirando a beleza da natureza é uma fácil tarefa que poucos colocam em prática. Bjs