quarta-feira, 11 de abril de 2007

Cerberus além do Japão



Um homem fardado, na boca de um túnel, é supreendido por um cachorro que vem armado com facas e dentes. Ele late, é agressivo, é mais que um cachorro: é Cerberus, guardião da porta inferno. Cerberus deveria ser agressivo, mas ele parece não desejar a presença do comandante - que mesmo assim atravessa o escuro caminho de concreto.
Do outro lado, parece que não muda muita coisa, exceto os acontecimentos que dão continuação à narrativa:
Primeiro, um soldado. Ele é azul, "como um zumbi" - pensei a 1ª vez. Mas logo se vê que está morto, e quem o informa é o comandante pretagonista, cuja pele está na cor que estamos acostumados. "Por que , então, no inferno?", é o que logo pensamos, e a próxima visita parece ser a resposta:
O barulho aumenta, aproximando-se. O túnel funciona como amplificador dos muitos barulhos que se juntam em um, fazendo o personagem recuar: é um pelotão que se aproxima, e estão todos azuis:
"Alto! Saúdem o comandante! Apresentar armas...descansar. 3º pelotão retornando, nenhuma baixa, sr."
"Escutem", responde com a voz embargada, "Entendo o que sentem. No entanto, o 3º pelotão foi aniquilado, foram mortos em ação. Me desculpem. Não fui morto, eu sobrevivi", lamentando. Ele entende que não era para estar vivo, que é injusto. "Mal posso olhar-lhes a face...fui amaldiçoado. Queria colocar toda a responsabilidade na estupidez da guerra, mas não posso. Não posso negar minha teimosia, minha má conduta..."
Ele queria ter morrido. Tenta explicar que sofreu tanto no campo que preferia ter se juntado ao pelotão morto.

De todos os Sonhos de Akira Kurosawa, esse foi o que mais me impressionou. Não é o mais encantador, mas é marcante, e a maior beleza, para mim, está nas palavras do comandante, que reconheceu seu fracasso: ele não merece a morte.
Akira diz que todo homem é um gênio quando sonha. Achei isso muito democrático, e quero acreditar que meu sonho de hoje tem um quê de genial também: eu estava com a testa sangrando, e ela sujou minha calça jeans. Só isso.
Infelizmente eu acho que sei o porque disso, foi na terça-feira, vi uma bateria de fotos desse tipo:



não é que eu não gostei das fotos (mostram um ritual xiita onde os islãos se lembram do martírio de Hussein, neto de Maomé), mas a imagem da mãe com a faca é forte, é apelativa. Se a foto deveria ter sido tirada e colocada em um jornal? Tenho minhas dúvidas. E se você está inconformado, lembre-se de que faz tempo que não aparecem nos jornais fotos apelativas de outros rituais étnicos: sim, acredito que existe um pouco de perseguição em relação aos mulçumanos por parte da imprensa brasileira (pra falar da brasileira).

mas voltando aos sonhos, quem quiser ver "o túnel" http://www.youtube.com/watch?v=7aSB5nT3KUg e http://www.youtube.com/watch?v=xRQ18XRMcLQ&mode=related&search=

mas recomendo o filme inteiro: Sonhos de Akira Kurosawa

para ganhar o dia:
um período de apoio
1)-aos colegas afegãos que estão boicotando, durante essa semana, informações vindas do Taleban. Essa atitude de coragem é um protesto pela morte de Adjamal Naqshbandi, jornalista e tradutor. Ele estava trabalhando como intérprete do italiano Daniele Mastrogiacomo (também jornalista), quando foram ambos sequestrados. Daniele foi libertado, mas Adjamal teve a cabeça tirada fora no domingo dia 8.
2)-aos sem-terras e sem-teto que estão participando do Abril Vermelho (série de invasões e protestos em fazendas e prédios abandonados), para que o povo, a imprensa e o governo não se preocupem apenas com as explosões do Iraque, a queda do dólar, os jogos Pan, as altas previsões de crescimento em 2007, o ursinho Knut, o barulho dos feirantes...

8 comentários:

Tomiate disse...

Tá, eu não resisto: de Cerberus vem Cerbera, nome de um dos carros esportivos da inglesa TVR. Aliás, a marca já é famosa por nomezinhos do mal, por causa do antigo Chimaera.

Akira é, pra mim, melhor fotógrafo do que diretor - assim como o Almodóvar. Isso não é nenhum demérito, muito pelo contrário: conseguem passar pela luz o que a turminha metida a cabeça de Hollywood tenta fazer explorando ângulos bizarros, câmeras de mão e takes de meio segundo.

Não acho que seja apelação mostrar essas fotos num jornal. O problema é o tratamento que dariam à matéria. Geralmente é um tom meio "Olha, eles são árabes, mas até conseguem ficar em pé nas patinhas de trás!"

Pedro Sibahi disse...

AE!
meu! muito loko o vídeo do japa!
já tinha ouvido falar o nome desse diretor mas nunka vi nada (ou não se q vi). Tinha q ser de guerra neh.. eh muito foda.. essa coisa de honra, ainda mais na cultura japonesa.. ai ai.. nem vou ficar pirando! haha
Quanto ao resto.. é estranho.. não concordo com os rituais muçulmanos da mesma forma q não concordo com os de todas as outras religiões.. mas a mídia tem perseguido mais os muçulmanos por motivos óbvios..
enfim.. acho q ambos os lados temq mudar.. mas eh difícil pra qualquer pessoa, mais ainda para um povo admitir q deve mudar, e abandonar certos comportamentos, principalmente quando jah estão araizados..

Unknown disse...

esse filme é bizarrao, o caozinho é mto bom mesmo, o latido dele é ao contrario, deve ter um motivo.
Veja os sete samurai, é bem bonito e inspirou trocentos mil filmes e jogos
=)

Lia Lupilo disse...

olá, pessoas ,]
daniel: você não é contra mostrarem essas fotos em um jornal, imagino que seja por aquele velho motivo do "aconteceu e é verdade, deve ser mostrado". Mas eu sou a favor da delicadeza e da sutileza (por exemplo a foto da esquerda). Acho que o foda nesse caso é o sangue...muito difícil fazer uma foto não-apelativa com aquela cor "me olhe!".

pedroka, você concorda com a mudança de uma cultura pelo simples fato dos seus costumes nos parecerem bárbaros? (sim, estou provocando, e isso não tem nada a ver com minhas convicções pessoais) O que eles diriam por exemplo, da nossa postura em relação aos mendigos? Não agimos para com eles de forma violenta?

rael, obrigada pela dica! já faz um tempo que estou procurando esse...

qualquer um, enquanto escrevia esse post estava falando com uma amiga que, coincidentemente, tinha tido um sonho ruim naquele dia. na sexta, outro amigo, me conta que a semana foi marcada por uma série de pesadelos inventados
=0

Anônimo disse...

Não é nem por isso. Eu só não acho que a foto seja agressiva.
Vamos pegar como exemplo aquele auê famoso como "As charges do profeta": Alguns dos desenhos publicados eram bonitos e certamente não seriam considerados ofensivos, não fosse a proibição islâmica em retratar Maomé.
Nem é bom parar pra pensar muito nisso, porque a única conclusão a que você vai chegar é "não há solução". As culturas são diferentes demais pra acharem pontos de encaixe e coexistirem sem qualquer tipo de atrito.

Aline disse...

Eu era a amiga que tinha tido um sonho ruim naquele dia! =P

Pedro Sibahi disse...

claro que eu não concordo com a nossa cultura, nem chego a considerar o negócio da faca uma coisa bábara.
O negócio é mudar sempre, reconheer que há oq ser mudado, tanto em mim, quanto em vc, quanto na família, quanto na sociedade, quanto no mundo, ontem, hoje, amanhã e sempre

Lia Lupilo disse...

Eu também acho, Pedrinho. Minha opinião pessoal (Seiji que não se irrite!): a tradição pode ser boa e saudável. Mas se ela é violenta, agressiva, acho que cabe a cada um, cada família mudar. Não necessariamente físico, por exemplo o machismo - que é parte de muitas culturas, ocidentais e orientais, e as castas. São conceitos que engessam uma sociedade, e podem ser mudados sem se estragar uma cultura.
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ah, então, era a Line sim^^